Título: Em defesa da evolução industrial
Autor: Vidor, George
Fonte: O Globo, 01/08/2010, Economia, p. 37
Luciano Coutinho diz que Darwin é assessor de empresas apoiadas pelo banco. Para ele, dívida é mais culpa do BC do que do BNDES George Vidor
O assessor que está por trás das empresas que vêm recebendo apoio financeiro do BNDES chamase Charles Darwin, ironiza Luciano Coutinho, presidente do banco, a propósito das críticas que envolvem atualmente a instituição e sua crescente participação no conjunto do crédito à economia brasileira.
Ele atribui essas escolhas ao hipotético Darwin pois as empresas que estão tocando negócios no país sobreviveram a tantas crises (inflação galopante, juros reais de 23% ao ano, câmbio fora de controle etc.) que podem ser vistas como uma evolução natural da espécie e, portanto, aptas a novos desafios.
Professor respeitado por seus pares, de diferentes correntes de pensamento econômico no país, Coutinho acha que o BNDES passou a ser alvo de uma crítica conservadora: Em primeiro lugar, os repasses de títulos do Tesouro ao banco responderam apenas por um terço do crescimento da dívida pública bruta afirma.
Os outros dois terços, segundo ele, corresponderam a operações compromissadas do Banco Central (BC) com o sistema financeiro para destravar o setor durante a crise internacional de 2008/2009.
Em segundo lugar, existe uma desinformação. O apoio que o banco tem dado a essas empresas aptas à internacionalização e a aquisições é feito em condições de mercado, sem envolver recursos do FAT (originados da arrecadação do PIS e do Pasep) ou do Tesouro argumenta Coutinho, ressaltando que nesse processo de apoio, o Brasil estava atrasado, pois americanos, europeus, japoneses, coreanos, e depois indianos e chineses, já tinham tomado esse rumo.
O terceiro argumento de Luciano Coutinho para rebater as críticas é que, se o BNDES estivesse retraído, o custo de capital no Brasil poderia subir expressivamente, inviabilizando investimentos capazes de assegurar um ciclo de crescimento sustentável: O mercado é volátil. Algumas vezes toma a frente dessas operações, e em outras não. E quando isso ocorre, o banco apoia a operação.
Por fim, sobre o custo com que o Tesouro terá de arcar ou seja, o contribuinte por causa da emissão de títulos (cerca de R$ 180 bilhões) emprestados para o BNDES, que, por sua vez, os repassa em operações de crédito, Coutinho assegura que ele teria sido bem mais elevado para o país se o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) tivesse encolhido de 2,5% a 3% em 2009, causando enorme perda de arrecadação, desemprego ainda mais grave e perda de renda.
Houve recuperação da economia, e o PIB de 2009 acabou não encolhendo. Nossas simulações mostram que o custo das emissões não se compara à perda que teria ocorrido se não tivéssemos contribuído para a retomada dos investimentos garante.
Toda essa conversa (ou desabafo) ocorreu em um encontro, testemunhado pelo GLOBO, de Luciano Coutinho com um ícone na história do BNDES: Marcos Vianna. De outubro de 1970 a março de 1979, passando por três governos militares, Vianna presidiu o banco, e sua administração foi marcada por políticas que levaram o país a deixar de ser importador, por exemplo, de papel e celulose, ou de fertilizantes derivados de rochas fosfáticas (os mais usados pela agricultura). Esse período do BNDES, tal qual como acontece hoje, motivou polêmicas sobre apadrinhamento de empresas, subsídios indiretos a segmentos empresariais, estatização do crédito etc. Essa história está contada em um livro que acaba de ser lançado, cujo título é Memórias de uma revolução industrial. Compilado em grande parte pelo jovem João Bettencourt, filho do jornalista Luiz Alberto Bettencourt, que, então, como repórter e colunista de economia do GLOBO, acompanhou tal período passo a passo.
O livro foi lançado em uma cerimônia fechada no BNDES, para apenas cem convidados, muitos dos quais membros da família de Marcos Vianna. Dois ex-presidentes Márcio Fortes e Pio Borges estiveram presentes.
Indagado sobre se voltaria atrás ou reformularia essas políticas, diante das críticas que sofreu posteriormente, o ex-presidente do BNDES foi enfático: Não me arrependo. Faria tudo novamente. O país era dependente de importações de petróleo e estava sob o impacto do choque de juros internacionais promovido pelo banco central americano.
Não nos acovardamos. Preferimos a saída pelo crescimento, passando a produzir bens de capital e outros itens que pesavam nas nossas importações ou que não tinham seu potencial de exportação devidamente explorado. Sem isso, talvez o Brasil não tivesse hoje condições de se tornar desenvolvido afirmou Marcos Vianna, com a autoridade dos seus 75 anos.