Título: Casa da Moeda, do chip ao dinheiro de plástico
Autor: Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 01/08/2010, Economia, p. 41

Criada em 1694 para cunhar moedas, instituição vai produzir cartões de crédito e débito e carteiras de identidade

BRASÍLIA. A partir de 2011, a Casa da Moeda do Brasil instituição que, ao ser criada em 1694, cunhava patacas, as primeiras moedas oficiais do país vai produzir cartões de crédito e débito. Além de atender à crescente demanda brasileira por dinheiro de plástico, a instituição vai disputar concorrência para fabricar as novas carteiras de identidade com chip eletrônico. Essa linha de produção se soma à de cartões telefônicos, passaportes inteligentes e selos postais e fiscais, que ajudaram a elevar em 85% o lucro da empresa no primeiro semestre, em relação ao mesmo período de 2009.

As previsões são que o lucro chegue a R$ 390 milhões em dezembro deste ano e o faturamento aumente 53%, passando de R$ 1,5 bilhão em 2009 para R$ 2,3 bilhões. Desse total, apenas um terço virá da cunhagem de novas moedas e impressão de cédulas. O negócio se ampliou.

Receita responde por 63% do faturamento da empresa O maior cliente da Casa da Moeda hoje é a Receita Federal, que responde por 63% do faturamento.

O responsável é o selo holográfico, que permite o monitoramento em tempo real da produção, da circulação e da exposição das bebidas nos pontos de venda: serão produzidos este ano 39,9 bilhões desse tipo de controle. Em novembro, será a vez de os vinhos receberem o selo, e já começaram as análises para a aguardente também ser controlada.

Deixamos de ser uma gráfica para ser uma empresa de sistemas disse Luiz Felipe Denucci, presidente da Casa da Moeda.

Os novos negócios estão focando a tecnologia de ponta.

Com um contrato de R$ 403 milhões, em cinco anos, a empresa vai ser responsável pelos novos passaportes brasileiros, que receberão um chip que armazena informações sobre o passageiro e tem leitura mais ágil nos setores de imigração.

Em janeiro, ela foi reconhecida como Autoridade Certificadora de primeiro nível do ICP-Brasil, o que a autoriza a emitir certificados digitais. Além disso, a empresa fabrica, desde o ano passado, cartões telefônicos para a Oi e a Telefônica. Em 2010 serão 32,8 milhões de cartões.

A produção de moedas, porém, não foi deixada de lado. Na próxima sexta-feira, será inaugurada com um grande evento a nova linha de produção de cédulas e, na segunda quinzena de agosto, terminará a montagem da segunda. Ao custo de US$ 250 milhões, as duas linhas terão capacidade de produzir 2,8 bilhões de cédulas por ano e vão confeccionar a nova família de cédulas do real.

Com essa capacidade ampliada, a empresa irá, enfim, sair à cata de mercados externos.

Na semana passada, um funcionário chegou de uma visita prospectiva a Costa Rica, Peru e Equador.

A diversificação da produção faz parte da necessidade de buscar o lucro como forma de financiar seus investimentos. Essa constatação remonta ao primeiro semestre de 2008. O Ministério da Fazenda recebeu um relatório confidencial, alertando para o risco de o país ver esgotada, a curto prazo, sua capacidade de produzir dinheiro. Em dezembro de 2008 não haveria como atender à demanda de moedas, e em 2009 seria a vez das cédulas.

Impulsionada pela expansão da economia e do crédito interno sobretudo para as classes D e E, que não usam cartões o Banco Central previa uma expansão da base monetária até 2018. Para dar conta, seria preciso modernizar e ampliar a linha de produção da Casa da Moeda, além de acelerar o ritmo de cunhagem. O risco era ter menos troco, cédulas envelhecidas e até encomendar a produção fora. O maquinário existente já tem 36 anos de idade.

A situação se agravou após os R$ 330 milhões alocados pela Fazenda no Orçamento de 2009 serem cortados, em razão da crise internacional.

Sem essa verba, a solução foi aumentar as receitas próprias, mudar a base de contratos com clientes tradicionais, como o Banco Central e a Receita revelou Denucci.

Uma das principais ações foi elevar a margem de remuneração dos serviços para os clientes estatais. Os selos de cigarro, por exemplo, rendiam um lucro de 10%. Passaram para 16% e devem chegar a 21% no fim do ano. Os selos de bebidas rendem 15% de remuneração, acima dos 10% cotados inicialmente.

Sobre esses produtos temos monopólio. E o aumento da arrecadação é relevante disse o presidente da empresa.

Analistas veem avanços, mas alertam para riscos Para analistas, a geração de lucros por parte das estatais é um sinal positivo para a economia e deve ser incentivada. O fenômeno representa um avanço na administração pública.

As estatais não foram criadas para dar prejuízo. Isso não significa aumento do estatismo.

Várias estatais europeias atuam em outros países, como o Brasil disse o professor Frederico Lustosa, da Fundação Getulio Vargas.

Hoje, os recursos para investimentos da Casa da Moeda não vêm da União, e a empresa pagou R$ 78,4 milhões em dividendos 612% mais do que o pago em 2003. Esse é um dos aspectos destacados pelo professor da Universidade de Brasília José Matias Pereira, especialista em contas públicas.

Mas ele adverte que a diversificação traz riscos: A empresa tem de zelar para que o aumento dos serviços oferecidos não leve à perda de qualidade da sua atividade principal, no caso, fazer moedas e cédulas.