Título: Governo admite ter entrado em campo minado
Autor: Yanakiew, Monica; Summa, Renata
Fonte: O Globo, 04/08/2010, O Mundo, p. 33

Alto funcionário diz que Lula se sairia melhor se negociasse nos bastidores

Eliane Oliveira,Adauri Antunes Barbosa e Sergio Roxo

BRASÍLIA* e SÃO PAULO. De forma reservada, dentro do governo brasileiro a avaliação é que, se as negociações entre Brasil e Irã sobre o caso de Sakineh Mohammadi Ashtian tivessem ocorrido exclusivamente nos bastidores, sem a atenção da mídia, o presidente Lula fecharia os últimos cinco meses que lhe restam de mandato com chave de ouro: trazendo ao Brasil a iraniana.

Segundo um alto funcionário do governo, apesar do gesto de boa vontade ao oferecer asilo publicamente a Ashtian, Lula teria entrado em um terreno minado. Embora esse tipo de julgamento choque o mundo ocidental, o tema, até os dias de hoje, divide a população iraniana.

Ou seja, mesmo não querendo, acabou acuando as autoridades da república islâmica.

Havia contatos informais em torno do assunto entre as diplomacias dos dois países sobre o asilo político a Mohammadi Ashtiani, mas tudo transcorria reservadamente revelou essa fonte.

Para Eugênio Aragão, especialista em direito internacional da Universidade de Brasília (UnB), a oferta de Lula foi um escorregão, embora a atitude do presidente seja positiva.

Nesse tipo de assunto, os governos discutem saídas entre quatro paredes. Senão, fica a impressão de que o presidente Lula fez a proposta ao presidente do Irã num comício afirma o analista.

Outro especialista em relações internacionais da UnB, Virgílio Arraes, lembra que a atitude de Lula pode ser mal vista em razão das eleições.

Ainda que involuntariamente, poderia ter repercussão positiva ou negativa para o candidato do governo disse Arraes, referindo-se à candidata do PT, Dilma Rousseff.

Segundo Heni Ozi Cukier, professor de Relações Internacionais da ESPM de São Paulo, os presidentes do Brasil e do Irã teriam interesse em usar o caso para melhorar sua imagem internacional. Luiz Inácio Lula da Silva, afirma ele, teve sua reputação abalada depois do apoio brasileiro à política nuclear do Irã.

Já o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, também teria interesse em colaborar com o brasileiro e, ao mesmo tempo, melhorar sua imagem de país que apedreja pessoas até a morte.

O interesse é de ambos. Se houver um final feliz para esse episódio, pode ser uma jogada política para que os dois países saiam bem considera.

Para a candidata do PV à Presidência, Marina Silva, o gesto de Lula é uma tentativa de reposicionar a atitude do Brasil quanto à defesa dos direitos humanos.

Causou um estranhamento interno e na comunidade internacional a aproximação (do Brasil) com o governo do Irã, que não respeita direitos humanos e que tem um regime de governo que avilta a própria democracia; e obviamente essa oferta de asilo talvez seja uma tentativa de reposicionar a atitude do Brasil frente à necessária afirmação da defesa dos direitos humanos como um valor inegociável disse a presidenciável, alegando ainda que é perfeitamente adequado que o Brasil possa fazer uma reparação com esse gesto.

A polêmica intervenção brasileira ecoou ontem nos Estados Unidos. Em um duro artigo no jornal Washington Post, o colunista Jackson Diehl criticou o presidente Lula, chamando-o de o melhor amigo dos tiranos no mundo democrático. O texto lembra a tentativa de mediação brasileira na questão nuclear e afirma que Lula foi mais uma vez humilhado por um de seus clientes, o líder iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, patrocinador do terrorismo, a quem Lula pública e literalmente abraçou.