Título: Calderón aceita debater legalização de drogas
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Fonte: O Globo, 04/08/2010, O Mundo, p. 35

Presidente mexicano admite fracasso do governo no combate ao narcotráfico, que matou 3.000 nos últimos 18 dias

CIDADE DO MÉXICO. O conservador presidente do México, Felipe Calderón, afirmou ontem estar disposto a aceitar um amplo debate nacional sobre a legalização das drogas. O anúncio foi uma reação à proposta apresentada por uma ONG mexicana preocupada com o fracasso do governo no combate ao narcotráfico ¿ que já causou mais de 28 mil mortes no país desde que o presidente chegou ao poder, em dezembro de 2006. Outro dado alarmante mostra que, somente nos últimos 18 dias, mais de três mil pessoas morreram em crimes associados à ação do narcotráfico.

Surpreendendo a plateia de um seminário acadêmico sobre segurança pública, Calderón admitiu que seu governo não tem logrado êxito no combate ao crime organizado. Na conferência, o presidente ouviu calado às críticas à sua política de segurança nos estados junto à fronteira com os Estados Unidos, onde se concentram cartéis de drogas que impõem terror à população mexicana. Os especialistas criticaram, quase em uníssono, a falta de informação pública sobre o combate aos traficantes e, sobretudo, a falta de ações para controlar e interceptar os ativos financeiros dos cartéis.

¿ Noto também o debate suscitado aqui sobre a regulamentação das drogas. É um debate central. Eu acho que, primeiro, deve ocorrer com pluralidade democrática. E que bom que temos isso no país. É preciso sempre analisar em profundidade a conveniência e os inconvenientes, os argumentos de um e de outro são fundamentais ¿ afirmou.

Segundo o jornal ¿El Universal¿, a disposição ao debate é uma resposta a um projeto de legalização proposto por Eduardo Gallo, da ONG México Unido contra a Delinquência. Gallo defende a discriminação ¿como um plano B¿ para substituir a fracassada ¿ e militarista ¿ estratégia de combate ao tráfico de entorpecentes adotada no país.

Estatísticas denunciam quase um confronto por dia

Apesar da demonstração de boa vontade, o presidente do conservador Partido de Ação Nacional (PAN) ressaltou temer que a legalização faça crescer o consumo de drogas, especialmente entre jovens e adolescentes.

¿ Alguns argumentam que a legalização significaria apenas um aumento enorme no consumo de várias gerações de mexicanos pela diminuição no preço e pela disponibilidade ¿ ponderou Calderón, que tem apostado na militarização para sufocar o tráfico no país.

Para analistas, apesar da estratégia de deslocar cerca de 100 mil homens para áreas consideradas sensíveis, os números de assassinatos registrados no país, apresentados pelo diretor do Centro de Investigação e Segurança Nacional, Guillermo Valdés, provam que a tática fracassou: houve 963 confrontos entre as forças de segurança e gangues do tráfico desde a posse de Calderón, quase um por dia. Cerca de 84 mil armas e pelo menos US$400 mil foram apreendidos durante esse período.

¿ Não alcançamos o que pretendíamos. A violência é crescente ¿ alertou Valdés.

A perplexidade diante das estatísticas fez o Senado mexicano comemorar o debate público: parlamentares de diversos partidos ¿ governistas e opositores ¿ apoiaram uma discussão séria sobre drogas.

¿ Temos que debater o tema com muita seriedade. Mas é preciso considerar que o problema não é só do México ou dos Estados Unidos, mas compartilhado ¿ advertiu o senador Rogelio Rueda, do socialista Partido Revolucionário Institucional (PRI).