Título: Assim no céu como na terra
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Fonte: O Globo, 04/08/2010, Opinião, p. 6

Há algo muito fora de ordem em uma atividade que, desde 2006, vive em estado de crise permanente. No final daquele ano, um movimento grevista de controladores, deflagrado no acidente com o Boeing da Gol, derrubado por uma mistura de negligência do controle aéreo e despreparo da tripulação americana de um jato de menor porte, levou os aeroportos ao colapso. Inúmeros voos atrasaram, terminais foram convertidos em albergues, e uma das vítimas seria o ministro da Defesa, Waldir Pires, substituído por Nelson Jobim. Depois, veio a tragédia com o Airbus da TAM, em Congonhas, e dela surgiu à vista geral a inaceitável realidade do aparelhamento político-partidário da Anac, agência incumbida de zelar pela segurança de todos, passageiros e tripulantes.

Junto reemergiu a proverbial incompetência da Infraero para administrar e manter os aeroportos brasileiros em condições de atender a uma demanda crescente. Também aparelhada por aliados do governo, a Infraero é aquela estatal criada pelos militares no início da década de 70, na ditadura, com a promessa, feita ao então poderoso ministro da Fazenda, Delfim Netto, de que a empresa não teria mais que 600 funcionários. Sem contar os terceirizados, abriga hoje cerca de 10.500 e o atendimento nos aeroportos é o que se conhece, para o arrependimento, já declarado, de Delfim.

O novo espasmo desta crise permanente é a demonstração de incompetência administrativa e falta de respeito aos passageiros dada pela Gol, a partir do início desta semana. Uma constatação é que, ao decidir correr riscos, num momento de grande procura, devido ao fim de férias, e aumentar com voos fretados a utilização da frota, a empresa deu a entender que não teme a agência reguladora. Afinal, a Anac acabou de baixar um pacote de medidas corretas em defesa do passageiro. Depois de tanto tempo de esvaziamento, causado por um governo que jamais levou a sério qualquer das agências reguladoras, a Anac precisa marcar território com sua autoridade.

O atual problema com a Gol já ocorrera com a TAM, numa pane do sistema de check-in. A preocupante sensação é que tudo está muito frágil, assim no céu como na terra. E temos pela frente a Copa e as Olimpíadas, alerta a ser repetido como mantra até as autoridades entenderem que é nos aeroportos e tráfego aéreo que o Brasil corre grande risco de dar vexames sucessivos: a partir de 2013, ano da Copa das Confederações, passando por 2014, na Copa do Mundo, e chegando a 2016, nas Olimpíadas.

Refratário à privatização, por dogma ideológico, o governo defende o paliativo da abertura de capital da Infraero, com a manutenção do controle estatal. Ora, qual a garantia efetiva de uma governança de boa qualidade? A Petrobras tem sido citada como modelo, mas o fato de ela ter capital aberto não impediu que fosse tomada de assalto por esquemas sindicalistas; tampouco que enveredasse num processo atabalhoado de aumento de capital, tocado às pressas devido ao calendário das eleições. E, como o novo modelo de exploração do pré-sal aumenta bastante o risco financeiro da estatal, e dadas todas as inseguranças criadas, o valor em bolsa da empresa desabou.

Só não caiu mais que o da BP, no auge do desastre ecológico no Golfo. Se a Petrobras é vulnerável a estas distorções, por que a Infraero S.A. não seria? Mais este caos é novo alerta para a necessidade de ajustes profundos no setor. O tempo encurta.