Título: Seguro perto do impossível
Autor: Castro, Marinella; Kiefer, Sandra
Fonte: Correio Braziliense, 29/06/2009, Economia, p. 10

Família de classe média alta teria que gastar pouco mais de R$ 1 mil por mês no Brasil para ¿garantir¿ dois carros, casa, saúde e vida

Marinella Castro e Sandra Kiefer

Beto Magalhães/EM/D.A Press - 4/7/08 Lepesqueur usa irrigação para eliminar o maior risco de sua lavoura, a seca: ¿Seguro ainda não compensa¿

Euler Junior/EM/D.A Press

O seguro que deixei de fazer já pagou duas vezes o carro, fabricado em 1988 Bernardo Rocha, farmacêutico

No mundo inteiro, as pessoas convivem com intempéries, assaltos, pragas, violência, doenças, acidentes de carro e risco de morte. Em alguns países, os cidadãos têm renda para bancarem seguros que cobrem boa parte disso, o que garante certa tranquilidade. Entretanto, para os padrões brasileiros, viver seguro custa muito caro. Fazer um pacote completo com seguros de vida, saúde, veículos e residência, incluindo proteção contra roubo, pode custar exatos R$ 12.936 ao ano para uma família de classe média alta, ou R$ 1.078 divididos em 12 vezes. Para se ter uma ideia de quanto isso representa, seria possível realizar o sonho da casa própria comprando um imóvel de R$ 258 mil em prestações pagas ao longo de 20 anos.

Por causa de contas como essa, muitos brasileiros evitam seguros. Nas estradas, a insegurança dá as cartas, mas sete a cada 10 motoristas contam com a sorte, e 90% dos caminhões rodam sem garantia das seguradoras. Apesar de o acesso eficiente à saúde ser um sonho para milhões de pessoas, o percentual da população que contrata o serviço não ultrapassa 25%. Estima-se ainda que menos de 5% dos lares brasileiros contam com o seguro residencial. Nas lavouras, mais de 95% não contratam o seguro rural.

No ano passado, o mercado de seguros movimentou R$ 67 bilhões no país, correspondendo a 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Parece um percentual significativo, mas não chega perto da média de países como Estados Unidos (9%), Japão (10%) e Reino Unido (15%). Por questão cultural ou financeira, o brasileiro médio ainda não compra segurança. Com as sobras do salário, ele adquire, no máximo, bens e serviços que possa pagar a prestação e considere essenciais, como planos de saúde ou seguros funerários.

¿O brasileiro está muito exposto a riscos, seja porque não pode pagar pelo seguro ou porque não acredita no produto. Culturalmente, ele não tem a mentalidade de proteger a si, aos que o cercam e aos seus bens¿, afirma Sérgio Duque Estrada, diretor de Proteção ao seguro da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Seguros de Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNSEG).

Os cálculos que chegaram aos R$ 12.936 no ano foram feitos por Samuel Lichter, da Lichter Corretora de Seguros, para atender uma família de classe média alta, com idade média de 40 anos para o marido e 36 anos para a mulher, dois filhos menores e dois carros zero quilômetro (um Pálio e um Corolla). Os preços podem variar para menos ou para mais, dependendo da idade dos titulares e dos carros, locais onde moram e condições exigidas. ¿Se o titular for fumante, o valor do seguro de vida aumenta. A idade dos pais também poderá encarecer o plano de saúde¿, compara o corretor , há 40 anos no mercado.

Minoria Nem todo brasileiro está disposto a desembolsar R$ 1 mil por mês em apólices. Na realidade, isso está longe de ocorrer. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 12,6 milhões recebem pelo menos R$ 1.660 por mês. Essa minoria (8,9% da população) teria que gastar, todo mês, 60% da renda só com o pagamento de seguros. ¿Para o brasileiro, embora o seguro seja importante, ainda não é essencial. Sua renda média não permite incluir um item destinado à proteção da sua família e do seu patrimônio. Ele prefere acreditar ter sido vítima de um infortúnio¿, diz Neival Freitas, diretor da Federação Nacional de Seguros Gerais (Fenseg).

Na família do farmacêutico Bernardo Rocha, por exemplo, nenhum dos quatro carros é segurado. Como os automóveis têm acima de cinco anos de uso, a opção é contar com a sorte. A decisão dele foi calculada na ponta do lápis, e tem como motivo o custo da apólice, em média 7% do valor do veículo. ¿O seguro que deixei de fazer já pagou duas vezes o carro, fabricado em 1988¿, explica. A conta do farmacêutico é a mesma do arquiteto Murilo Reis. Aos 70 anos, ele teve uma média de dois veículos por ano nos últimos 40 anos. Nunca fez seguro e sempre teve sorte. ¿Com correção monetária, minha economia é de R$ 200 mil. É claro que alguma coisa pode acontecer, mas deixei de gastar um bom dinheiro¿, calcula.

¿Ninguém aguenta pagar R$ 70 mil pelo seguro de um caminhão¿, protesta José Carneiro, um dos presidentes regionais do Movimento União Brasil Caminhoneiro. Segundo ele, o transportador que tem 10 caminhões, a cada ano ¿ganha¿ um novo deixando de fazer o seguro. Em vez de pagar de 8% a 16% sobre o valor do veículo, o caminhoneiro prefere se juntar a uma cooperativa, pagando mensalidades. ¿Quando acontece uma batida ou um furto, a gente rateia o prejuízo¿, diz.

No campo O governo federal vem tentando introduzir a cultura do seguro agrícola no Brasil, subvencionando até 75% do valor da apólice. A grande maioria dos agricultores, porém, continua plantando sem garantias. ¿No Triângulo Mineiro, 99% dos agricultores não contratam seguro¿, diz Rivaldo Borges Júnior, presidente do Sindicato Rural de Uberaba. No caso da soja, o seguro chega a 4,3% do valor total da lavoura, no do milho atinge 4,5%. O seguro agrícola é limitado a R$ 96 mil ano, um valor baixo para a agricultura comercial. No caso da soja, por exemplo, seriam cerca de 19 sacas por hectare quando a produção pode ser três vezes maior que o valor.

Em todo o país, são cerca de 4,5 milhões de agricultores. Estima-se que cerca de 1 milhão poderia proteger a lavoura, mas no máximo 7%, ou 70 mil produtores, contratam a modalidade. O diretor-técnico da Companhia de Seguros Aliança do Brasil, Wady Couri, lembra que a sinistralidade histórica do agronegócio chega a 78%. ¿Em um ano, o produtor ganha muito, no outro pode perder tudo. Nos Estados Unidos 75% dos agricultores têm seguro.¿

Há 24 anos plantando lavouras, o agricultor Saulo Adjuto Lepesqueur, cultiva milho, soja e feijão, em Paracatu (MG), a 233 quilômetros de Brasília. A lavoura é financiada com recursos próprios e, depois que o agricultor introduziu a irrigação, conseguiu eliminar o seu maior risco: a seca. As perdas enfrentadas nos últimos anos foram parciais e os prejuízos, absorvidos pelo produtor. ¿Pelo que sei, o seguro ainda não compensa. Como as margens de lucro estão muito apertadas e o risco existe, seria interessante se não fosse tão caro¿, avalia. Ele lembra, entretanto, que na década de 1980, perdeu uma lavoura inteira de arroz e reduziu as perdas, porque tinha um seguro incluído no financiamento do banco.

O que é PIB

O Produto Interno Bruto (PIB) é um indicador que mede o desempenho da economia em um determinado período de tempo. O que ele revela é o valor em reais ou dólares da riqueza gerada por um país, somando todos os bens produzidos (carro, geladeira, soja, café, leite, minério de ferro, petróleo etc.) e serviços prestados ¿ leia-se bancos, hospitais, escolas, comércio, transporte, administração pública. Nesse cálculo, não entram os insumos de produção, ou seja, matérias-primas, mão de obra, impostos. O cálculo é feito considerando o valor adicionado. Isso significa que do preço de venda são descontados os valores gastos com a compra de materiais para produção daquele bem ou para a prestação do serviço.

No Brasil, o responsável pelo cálculo do PIB é o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que mede a cada três meses as riquezas do país e anualmente a geração de riqueza de estados e municípios. O IBGE calcula a geração de riqueza de toda a cadeia produtiva brasileira, excluindo da produção total de cada setor as matérias-primas que ele adquiriu de outros. Depois de fazer esses cálculos, o instituto soma a produção individual de cada setor da economia, chegando à contribuição de cada um para a geração de riqueza brasileira e, portanto, para o crescimento econômico. (Da Redação)