Título: Cortina de fumaça em ataque a Ahmadinejad
Autor: Malkes, Renata
Fonte: O Globo, 05/08/2010, O Mundo, p. 31

Irã nega atentado contra presidente, que escapa ileso de bomba

O presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, escapou ileso de uma bomba artesanal lançada ontem contra sua comitiva na cidade de Hamadan, a cerca de 300 quilômetros de Teerã, mas terá que driblar a explosão de boatos deflagrados pelo ataque. Num episódio cercado de controvérsias, a imprensa iraniana informara, pouco após o incidente, que tratava-se de um atentado contra a vida do presidente, mas, mais tarde, a informação foi desmentida com veemência pelo governo do Irã. A agência estatal Irna garantiu que a explosão e a nuvem de fumaça que se seguiram não passaram de fogos de artifício que celebravam a visita de Ahmadinejad à região.

O ataque aconteceu quando o presidente iraniano seguia do aeroporto para um estádio de futebol, onde fez um discurso. A informação veio à tona através do site conservador Khabar ligado ao líder do Majlis, o Parlamento iraniano, Ali Larijani. Segundo o site, o artefato explodiu junto a um microocirc;nibus onde estavam jornalistas que acompanhavam a visita, a cerca de 100 metros do presidente.

Um suspeito de ter lançado a bomba inicialmente descrita como uma granada teria sido preso. As agências Fars e Mehr confirmaram a versão, ouvindo testemunhas. A cortina de fumaça causada pela explosão causou pânico, mas não houve relatos de feridos.

Diante da difusão dos rumores de uma tentativa de assassinato, a semiestatal Press TV apressou-se em desmentir o incidente e culpar a imprensa ocidental por relatos falsos estratégia adotada também pela agência oficial Irna. Muitos relatos publicados na internet desapareceram.

Um menino jogou um morteiro na comitiva para celebrar a chegada do presidente a Hamadan, causando embaraço. A cerimônia de boas-vindas não foi interrompida, mas alguns repórteres estrangeiros tentaram pescar em águas conturbadas para dizer que houve uma tentativa de assassinato, criticava o texto da agência.

Ahmadinejad, entretanto, cumpriu sua agenda e seguiu para o estádio, onde voltou a fazer um discurso afiado contra as pretensões ocidentais de conter seu programa nuclear sem mencionar o ocorrido. Apesar da aparente normalidade, o episódio ganhou contornos maiores depois que Ahmadinejad que está percorrendo o país para reafirmar sua estratégia de governo afirmara, na segunda-feira, em Teerã, que Israel, seu maior inimigo, planeja matá-lo: Os sionistas estúpidos contrataram mercenários para me assassinar.

A versão foi reforçada ontem pelo ministro da Inteligência, Heidar Moslehi, que garante ter descoberto planos israelenses para eliminar Ahmadinejad e que, inclusive, algumas pessoas acusadas de envolvimento teriam sido presas.

Muitos planos dos poderes arrogantes para manter vivo o estado sionista foram descobertos afirmou o ministro à estatal Irna.

Sanções colocam aliados contra o governo

Ao contrário dos recentes episódios políticos da história do Irã, durante os quais milhares de jovens inundaram as redes sociais na internet para mostrar ao mundo a realidade de um país sob forte censura, os poucos relatos sobre o suposto atentado no Twitter e no Facebook colocaram em xeque as circunstâncias do ataque: muitos acreditam que a situação possa ter sido criada por um astuto e populista Ahmadinejad para conquistar simpatia nas periferias do país.

Ahmadinejad começa a sentir o peso das sanções na área de petróleo e não me espantaria se tivesse arquitetado esse teatro para impulsionar sua imagem e a do Irã como vítimas do Ocidente avalia o sociólogo iraniano Rasool Nafisi, da Universidade Strayer, nos EUA.

Ele tem inimigos internos, como os curdos no norte e os sunitas no Baluquistão, mas sem estrutura de guerrilha urbana, penso que milicianos Basijj podem ter feito isso completa.

Para Abbas Milani, diretor do centro de estudos iranianos da Universidade de Stanford, numa hipótese extrema, mesmo um eventual assassinato de Ahmadinejad não traria mudanças políticas significativas à república islâmica hoje sob forte influência política e militar das Guardas Revolucionárias, a quem atribui o verdadeiro poder central do país.

Segundo o analista, as novas sanções conseguiram, nas duas últimas semanas, um fato inédito: dividir a extrema-direita, base do presidente.

A crise política é visível e pontuada por constantes embates públicos entre Ahmadinejad e o líder do Parlamento, Ali Larijani.

Milani destaca ainda relatos não confirmados sobre a iminente intervenção do líder supremo iraniano, aiatolá Ali Khamenei, para abrandar o racha.

Khamenei se mostra incomodado com Ahmadinejad, mas não pode retirar seu apoio a ele, pois isso respingaria na cúpula do regime.

A verdadeira explosão sob os pés de Ahmadinejad é sua base aliada. Crescem as pressões pela economia à beira do colapso e a oposição de seus aliados no Parlamento, constantemente atropelados por ele questões internas explicou o pesquisador ao GLOBO.

Com agências internacionais