Título: Ausência do Congresso na política externa
Autor:
Fonte: O Globo, 06/08/2010, Opinião, p. 6

Não só devido à composição ideológica, mas também por vínculos pessoais, o governo Lula sempre foi próximo de Cuba. Com ministros ex-exilados na ilha, além de assessores chegados aos irmãos Castro, o presidente colocou a diplomacia brasileira mais ativa na condenação ao embargo comercial americano, de fato um equívoco pela sua duração. Uma visão de mundo com viés da esquerda da década de 70, temperada pelo nacionalismo cultivado por militares do regime ditatorial daquela época, fez o governo praticar a militância antiamericanista, ser condescendente com Hugo Chávez e com a propagação do antidemocrático e populista bolivarianismo pela América do Sul.

Hoje se vê que esta mudança de eixo na outrora mais estável das políticas de estado brasileiras, a externa, não se deve apenas à fé ideológica de poderosos do Palácio do Planalto, algo derivado da circunstância de deter minadas pessoas estarem ao mesmo tempo em cargos de mando em Brasília. O problema é mais grave, pois tudo faz parte de um projeto articulado, com seus intelectuais orgânicos, formuladores de um projeto que vira pelo avesso a postura clássica do Itamaraty, historicamente alinhado aos melhores princípios do Ocidente. O descaso demonstrado por Lula e companheiros com o desrespeito aos direitos humanos em Cuba não é fato isolado. Pode ter aspectos particulares em função dos vínculos de pessoas do governo com os irmãos Castro, mas é apenas um entre outros casos.

Esta postura ganhou de vez tinturas de política oficial com a revelação, feita pelo jornal O Estado de S.Paulo, de que o Brasil enviara correspondência a todos os países representados na ONU com a proposta de que sejam evitadas resoluções de censura a governos acusados de agredir direitos humanos. Em troca, o Brasil propõe uma política de diálogo, para demover os agressores. A carta do governo Lula, reconheça-se, é coerente com a posição leniente assumida pelo Brasil em votações quando esteve em questão repreender contumazes atropeladores dos direitos da pessoa humana, como o Sudão, a Coreia do Norte, o Sri Lanka e o Irã.

Mais uma vez transparece nesta política da vista grossa a assassinatos, torturas, etc. a preocupação de se marcar diferenças com os Estados Unidos. Na questão nuclear este cuidado é nítido. Não que o governo de Brasília tenha sido enganado por Ahmadinejad; é evidente, hoje, que ele prestou deterum serviço à ditadura teocrática, porque deve considerar legítimo o desejo dos aiatolás de ter a bomba. Uma pista para se chegar a esta conclusão é a crítica aberta ao Tratado de Não Proliferação Nuclear, assinado pelo Brasil, feita pelo embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, talvez o mais proeminente ideólogo de um projeto de Brasil estatizado, não alinhado e nacionalista ao extremo. A despreocupação com os direitos humanos no mundo, como forma de tentar atrair países menores, ganha outra dimensão analisada por este ângulo mais amplo. Não será pelo comércio, devido à pequena dimensão das economias destas nações.

É grave que tão ampla mudança não seja acompanhada pelo Congresso, como deveria.

Cabe à Comissão de Relações Exteriores do Senado colocar a nova política externa na agenda, para discuti-la e avaliar se é esta a direção correta da diplomacia de um país democrático.