Título: Apoio ao BNDES abre polêmica
Autor: Almeida, Cássia; Novo, Aguinaldo
Fonte: O Globo, 06/08/2010, Economia, p. 29

Manifesto de empresários defende banco, mas especialistas criticam política de fomento

Manifesto publicado ontem nos cinco principais jornais do país por 12 entidades empresariais em defesa do BNDES criou polêmica entre especialistas.

Sob o título Em defesa do investimento, o texto das entidades que reúnem indústrias que faturam R$ 672 bilhões, ou 21% da economia brasileira afirma que o BNDES tem sofrido ataques que ganharam vulto nas últimas semanas, critica os juros estratosféricos praticados no Brasil e apoia as políticas do banco. Mas especialistas divergem sobre qual deveria ser o papel de um banco de fomento num momento em que a economia brasileira cresce com força.

A iniciativa de publicar o manifesto partiu do presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Luiz Aubert Neto, que conseguiu o apoio de outros empresários.

Nosso objetivo foi provocar a discussão. No Brasil, só se ouve os bancos afirmou ele, que classificou de terrorismo as análises do mercado financeiro sobre a necessidade de elevar a taxa básica de juros (Selic).

A crítica mais recente ao BNDES está na capitalização, em 2009 e 2010, de R$ 180 bilhões feita pelo Tesouro Nacional, que capta recursos pagando Taxa Selic, hoje em 10,75% ao ano, enquanto o banco de fomento empresta cobrando das empresas 6% ao ano. E as operações de capitalização do BNDES pelo Tesouro têm impacto sobre a dívida pública bruta do país, que era de R$ 1,74 trilhão em 2008 e deve fechar este ano em R$ 2,20 trilhões.

Para o economista Armando Castelar, da Gávea Investimentos, o ideal seria dar mais transparência à concessão de empréstimos com dinheiro público.

Para ele, não deveria haver sigilo bancário para esses financiamentos: Assim, a sociedade poderia avaliar se o retorno social com os empréstimos, como geração de empregos, supera os custos de o cidadão pagar uma taxa básica de juros e carga tributária mais altas.

Castelar não vê sentido em empréstimos para grandes empresas como Petrobras e Vale, que já obtiveram grau de investimento pelas agências de risco e podem captar dinheiro lá fora a custo baixo.

Empresários criticam setor financeiro

No manifesto publicado ontem, as entidades empresariais de setores tão diversos como têxtil, produtos químicos, siderurgia e indústria plástica afirmam, porém, que os incentivos do BNDES estão permitindo a crescer 2% do PIB em investimento, ou seja, mais de R$ 60 bilhões em investimentos adicionais.

Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), José Ricardo Roriz, as críticas ao BNDES são uma campanha orquestrada pelos bancos privados. Perguntado se o manifesto não poderia ser entendido como uma declaração de guerra contra os bancos, Aubert, da Abimaq, rechaçou a ideia, mas não perdeu a chance de criticar o setor.

A média das operações aprovadas pelo BNDES é de R$ 250 mil, ou seja, se destina a pequenas e médias empresas. Esse dinheiro passa pelos bancos. Mas eles não têm interesse em aumentar isso, porque a comissão deles é pequena.

Procurada, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) afirmou que nada tem a comentar, até porque o setor financeiro é parceiro do BNDES no repasse dos financiamentos.

O presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Vestuário, Aguinaldo Diniz Filho, disse que a decisão de publicar o manifesto em meio à campanha presidencial não teve objetivo político.

É um movimento suprapartidário.

O manifesto é apenas um reconhecimento do papel do BNDES.

O professor da PUC-SP Antonio Corrêa de Lacerda concorda com a posição os empresários: A China e a Coreia do Sul, nossos principais competidores, financiam o investimento a custo praticamente zero.

Ou o Brasil cria instrumentos ou estamos fora da disputa internacional.

Para o economista, não há subsídio, se for levado em conta que o investimento gera arrecadação.

Para analista, BNDES concentra renda

Para o ex-professor da USP Joaquim Elói Cirne de Toledo, financiamentos com juros subsidiados devem ser concedidos apenas para inovação e para pequenas e médias empresas: Não há justificativa para se financiar grandes empresas. É transferir dinheiro do trabalhador para alguns poucos acionistas. É concentrar renda em um país já muito desigual.

Dentro do Banco Central (BC), prevalece a avaliação de que os juros subsidiados são um empecilho para que a Selic seja menor. Para o BC, o crédito a taxas mais baixas acaba alimentando a demanda.

Os créditos direcionados são um terço do total que circula no país. E a participação do BNDES na economia só cresce. Em 1997, os desembolsos do banco eram de R$ 19,1 bilhões. Este ano devem chegar a R$ 130 bilhões.

Recentemente, o presidente do BC, Henrique Meirelles, deixou claro que os juros subsidiados podem interferir na política monetária. Oficialmente, o BC não se pronunciou ontem sobre o manifesto. O BNDES também se recusou a comentar a manifestação.