Título: Na PF, Cacciola acusa ex-presidente do Pactual
Autor: Werneck, Antônio; Ordoñez, Ramona
Fonte: O Globo, 06/08/2010, Economia, p. 31

Para Luiz Cezar Fernandes, "é besteira". Delegado diz que ex-dirigentes do BC e de bancos podem ser indiciados

Em depoimento que durou mais de três horas ontem na Polícia Federal no Rio, o exbanqueiro Salvatore Alberto Cacciola acusou o economista Luiz Cezar Fernandes, que presidiu o Banco Pactual, de ser o verdadeiro responsável pela coordenação, entre 1997 e início de 1999, de um esquema de acesso a informações privilegiadas do Banco Central e de supostamente guardar fitas com gravações clandestinas que comprovariam o fato. Cacciola, no mesmo depoimento, obtido com exclusividade pelo GLOBO, afirmou que o operador do suposto esquema de Luiz Cezar Fernandes era o também economista André Esteves, na época (1999) diretor Operacional do Pactual.

O delegado Fábio Scliar, que preside o inquérito da Polícia Federal sobre a suposta venda de informações privilegiadas pelo Banco Central na época da maxidesvalorização do real, em 1999, disse que exdirigentes do Banco Central, e de outras instituições financeiras como o Banco Pactual e o FonteCindam poderão ser indiciados.

Ele (Cacciola) afirma que o Pactual, principalmente, é que tinha essas informações privilegiadas disse Scliar, da Delegacia de Repressão aos Crimes Financeiros (Delefin) da PF no Rio, que tomou o depoimento do ex-banqueiro.

Delegado avaliará se poderá indiciar tantos anos depois Luiz Cezar Fernandes disse não estar preocupado com as acusações feitas ontem por Cacciola em seu depoimento à Polícia Federal. Segundo Fernandes, tais declarações já constam do livro escrito por Cacciola sobre o caso. Além disso, Fernandes destaca que já foi inocentado em todas as instâncias: É uma besteira, não faz nenhum sentido. Já fomos absolvidos em todos os lugares.

Não tínhamos informação alguma, estávamos na posição inversa, estávamos comprados na época. Minha preocupação é zero em relação a isso.

Chico Lopes, por sua vez, disse que preferia não comentar o assunto, uma vez que o caso está a cargo da Justiça.

Procurado, André Esteves não foi encontrado. Ele estaria em viagem ao exterior.

O delegado Scliar, no entanto, deixou claro que todos os citados no depoimento de Cacciola poderão ser indiciados: Eles (referindo-se a Fernandes, Lopes, entre os citados) foram ouvidos em declarações, claro que isso pode servir para que no inquérito policial sejam indicados. É possível. Mas não sei o que vou fazer com isso, pois tem que parar e olhar se é coerente e razoável indiciar tantos anos depois. Não parei para pensar nessas questões ainda.

Em seu depoimento, Cacciola argumentou que, entre 1997 e 1999, havia nos bastidores do mercado financeiro do país comentários, repercutidos pela imprensa, dizendo que o Pactual vinha tendo grandes acertos no mercado futuro de DI. O ex-banqueiro disse ainda no depoimento que tais acertos foram creditados a um suposto esquema de acesso a informações privilegiadas coordenado pelo presidente do Pactual, Luiz Cezar Fernandes, e utilizado pelo diretor operacional André Esteves.

Cacciola diz que foi usado como bode expiatório Cacciola afirmou ainda que nunca teve acesso a informações privilegiadas: Por motivos óbvios, se tivesse acesso a informações privilegiadas do Banco Central o meu banco (Marka) não teria ficado vendido em dólares por ocasião da desvalorização do real. Ainda segundo o ex-banqueiro, a CPI do Congresso que investigou o fato (1999) demonstrou, com a quebra do sigilo bancário, os bancos ganhadores. E chegou a dizer categoricamente: Eu perdi dinheiro.

Segundo o delegado da PF, Cacciola disse em seu depoimento ter sido usado como bode expiatório. Ele afirmou que, na época, havia uma disputa societária no Pactual e o nome dele teria sido usado para alavancar determinadas operações dentro do Pactual.

O ex-presidente do Banco Marka revelou ainda que recentemente, há cerca de três ou quatro meses, ficou sabendo que, pela primeira vez, após todos este tempo, Luiz Cezar procurou um dos principais sócios do Pactual, porque se encontrava na iminência de perder sua atual casa (na Região Serrana do Estado do Rio) em decorrência de uma dívida de US$ 6 milhões (cerca de R$ 11 milhões) e o atual presidente do Banco Pactual, André Esteves, quitou a dívida.

Cumprindo pena no presídio Bangu 8, Cacciola foi ouvido no inquérito em que é suspeito de supostamente ter controlado uma rede de chantagem, grampos ilegais de telefones e pagamento de subornos em janeiro de 1999, às vésperas da mudança do regime cambial brasileiro. O inquérito 2901 foi instaurado em maio de 2001, mas como Cacciola passou vários anos na Itália, só agora foi retomado.

Ex-banqueiro cumpre pena de 17 anos em Bangu 8 O ex-banqueiro é acusado de oito crimes, entre os quais formação de quadrilha, vantagem indevida, patrocinar interesse privado perante a administração pública, influir em ato praticado por funcionário público e oferecer vantagem.

Mas ontem foi ouvido na qualidade de testemunha.

Cacciola hoje cumpre pena de 17 anos e seis meses em regime fechado. O ex-foragido número um da Justiça brasileira que, beneficiado por um habeas corpus em 2000 fugiu para Roma, na Itália, protegido por sua dupla cidadania divide a cela com 20 detentos, todos de nível universitário.

E, como mostrou reportagens do GLOBO, passou dois períodos na solitária, num total de 45 dias, e teve seu pedido de progressão de regime negado por mau comportamento.

Entre outras coisas, o ex-banqueiro xingou um agente penitenciário.

As acusações contra Cacciola são de um momento conturbado da moeda brasileira.

Em 1999, o BC elevou o teto da cotação do dólar de R$ 1,22 para R$ 1,32. Na contramão do mercado, os bancos Marka (de Cacciola) e FonteCindam haviam assumido pesados compromissos em dólar e tiveram prejuízos gigantescos com a desvalorização do real. O Banco Central acabou socorrendo os dois bancos.