Título: Santos assume Colômbia revigorada
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Fonte: O Globo, 07/08/2010, Opinião, p. 6

A Colômbia pré-Uribe era um país dilacerado por décadas de guerra civil, que havia cedido parte de seu território para os rebeldes das Farc, numa tentativa do governo anterior de atrair para a mesa de negociações a velha guerrilha, já transformada em narcoguerrilha. A nação estava mergulhada em violência assustadora, com atentados, assassinatos, sequestros e extorsões protagonizados pelos poderosos cartéis das drogas, as Farc, o ELN, os paramilitares de direita, os criminosos comuns. Transformou-se no país com o maior número de deslocados internos (refugiados) do mundo.

Uribe mudou radicalmente a política de segurança, declarou guerra total à narcoguerrilha, negociou com uma parte do ELN, desmobilizou os paramilitares (embora haja críticas a este processo), aproximou-se ainda mais dos Estados Unidos. Obteve vitórias impressionantes. A guerrilha perdeu metade sua capacidade (mais de 13 mil foram mortos, 36 mil capturados e 18 mil desmobilizados) e foi empurrada para áreas remotas na selva. Alguns dos reféns mais importantes em poder dos rebeldes foram libertados. Mais de 50 mil paramilitares entregaram as armas. Entre 2002 e 2009, a taxa de homicídios caiu à metade, e o número de sequestros, de 2.882 para 86.

As grandes cidades foram pacificadas e a qualidade de vida melhorou muito, com administrações criativas de políticos da nova geração em Bogotá e Medellín. A economia beneficiou-se e os investimentos externos voltaram. O PIB deve crescer 4,4% este ano, contra 2,5% em 2002. Não houve tanto progresso na distribuição de renda: a pobreza caiu de 53,7% em 2002 para 45,5% em 2009, enquanto a indigência baixou de 19,7% para 16,4% no mesmo período.

É esse país saneado que o presidente eleito Juan Manuel Santos recebe hoje de Uribe. O que não quer dizer que não haja problemas. O primeiro é saber como se comportará Uribe diante do novo governo. Santos foi visto num primeiro momento como discípulo integral do primeiro presidente a governar a Colômbia por dois mandatos sucessivos neste século, mas fez questão de marcar algumas diferenças em relação a seu mentor. A política de segurança e a linha-dura com a guerrilha são conquistas da sociedade colombiana e deverão ser confirmadas integralmente por Santos, ministro da Defesa de Uribe. Da mesma forma, o alinhamento com os EUA. Já no conflito com a Venezuela e no afastamento em relação ao Equador, o presidente que hoje assume tende a ter uma postura mais moderada do que o antecessor. Mais pragmático, Santos quer criar condições para esvaziar o bate-boca com Hugo Chávez e restabelecer o fluxo econômico com a Venezuela, muito importante para os dois lados. Com alguns dos problemas do país bem encaminhados, os colombianos deverão pressionar Santos para aumentar a oferta de empregos, cuidar mais dos serviços de educação e saúde e investir na infraestrutura para desfazer gargalos na produção. Saindo da sombra de Uribe, mas mantendo políticas bem-sucedidas do antecessor, Santos reúne as condições para imprimir sua própria marca ao governo, trabalhando pelo desarmamento, pela inclusão, pela redução das desigualdades sociais, pelo crescimento da economia e pelo bom relacionamento com os vizinhos.