Título: Da pausa nervosa ao excesso de números
Autor: Amorim, Silvia
Fonte: O Globo, 07/08/2010, O País, p. 14
Presidenciáveis não tiveram comunicação clara em debate na TV
Num debate em que o candidato mais enérgico tinha 80 anos, a comunicação entre os participantes do confronto e o eleitor que o assistia ficou a desejar. Para profissionais que estudam a comunicação com o público, os três principais presidenciáveis que participaram do debate anteontem na "TV Bandeirantes" - Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV) - não deixaram claro para os telespectadores qual seria seu principal projeto em caso de vitória.
Pouca ousadia foi o que mais chamou a atenção de Afonso de Albuquerque, professor do departamento de estudos de mídia da UFF:
- Serra e Dilma discutiram temas no varejo: Correios, Apaes... Dificilmente o eleitor vota com base em assuntos específicos. Quem se arriscou foi o Plínio (de Arruda Sampaio, do PSOL, candidato aos 80 anos). A Marina, que era para ser o terceiro elemento, foi apagada pelo Plínio. E isso se mostrou na expressão deles: o Plínio era o que mais olhava para a câmera porque sabia o que queria dizer. Só ele passava sensação de ter uma cara, um fim; os outros tinham meios apenas, que eram os números e temas. Talvez pelo treino excessivo, pareciam alunos que decoraram os nomes dos rios.
Albuquerque lembra que o nervosismo inicial de Dilma pode não ter sido de todo ruim:
- Ela não passou a imagem de durona que dizem que tem, mas não foi serena, porque começou nervosa. Só que, se o nervosismo prejudica, também a humaniza. O Serra, cheio de números, sem rir, não ficou humanizado. Fica um sujeito formal.
Autora de "Como identificar a mentira", a psicóloga Mônica Portella diz que Serra passou segurança ao "concluir raciocínios e falar com mãos abertas":
- Dilma dava pausas grandes demais e teve hora em que falou de lado para a câmera. E a roupa branca talvez tenha sido para dar serenidade, mas não precisava, o rosto dela já está leve. Ela passaria mais confiança com tons mais escuros, como azul.
Preparadora vocal de atores e políticos, a fonoaudióloga Glorinha Beuttenmüller achou a voz de Dilma "muito severa":
- Passa exigência ao interlocutor. Já a voz da Marina precisa ter entusiasmo - diz Glorinha, notando que, apesar de Marina ter posto dedo em riste, isso não a afetou tanto. - Ela é mais suave. Seria pior se fosse a Dilma.
O cacoete de Serra de chamar o mediador do debate, Ricardo Boechat, de "Bechat", pode ter sido "desagradável pois é um nome conhecido", diz Glorinha, mas seria mais grave se a palavra não fosse nome próprio:
- Aí mostraria falta de cultura - aponta. - Agora, Plínio teve empatia até para reclamar.