Título: Proteção de dados pessoais em debate
Autor: Casemiro, Luciana
Fonte: O Globo, 11/08/2010, Economia, p. 30
Ministério da Justiça promove seminário internacional e prepara documento com princípios sobre o tema A experiência de países como Estados Unidos, Canadá, Portugal, Argentina e Uruguai sobre a proteção de dados pessoais será debatida, hoje e amanhã, em seminário internacional, promovido pelo Ministério da Justiça (MJ) juntamente com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
Até o fim deste mês, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do MJ, divulgará um documento com os princípios de proteção para debater com a sociedade. Essa proposta poderá resultar numa lei específica, brasileira, a exemplo do que já acontece em diversos dezenas de países europeus e também da América Latina.
Segundo Laura Schertel, coordenadora geral de supervisão e controle do DPDC, no Brasil, as leis são esparsas e setoriais: É preciso ampliar este debate. Na Europa, as leis de proteção de dados já têm 30 anos, com um arcabouço completo teórico, administrativo e político. Existem órgãos públicos só para cuidar deste tema. Aqui ainda não temos nem os parâmetros mínimos a serem observados. No Brasil, há uma insegurança jurídica que afeta consumidores, empresas e até o poder público.
Laura ressalta ainda que atualmente a informação pessoal é um insumo da produção, é uma moeda, tem valor de mercado: O consumidor não pode ficar à margem desta discussão e nem abrir mão de ter uma segurança jurídica sobre seus dados.
Especialistas falam de regra mundial Para Leonardo Roscoe Bessa, diretor de Assuntos Internacionais do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), sublinha o fato de um número de ações na Justiça sobre a questão ser tão pequeno que ainda não há sequer jurisprudência formada em torno do uso indevido de dados. Para Bessa, o principal é implementar uma mudança de cultura: O cidadão precisa saber das consequências de ter o vazamento de suas informações pessoais, inclusive para casos de empregos e concessão de financiamentos. A partir dessa educação, é preciso trabalhar na conscientização para que, em caso de uso indevido, ele denuncie às entidades de defesa do consumidor e recorra à Justiça pedindo indenização por danos morais, pois nesses casos há ofensa a privacidade.
Em Portugal, existe uma legislação específica desde 1991, que consagra a proteção de dados como um direito fundamental. O passo seguinte foi a criação da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), entidade administrativa independente com poderes de autoridade, que funciona junto do Parlamento. Na avaliação de Isabel Cruz, secretária da comissão portuguesa que estará representada no evento numa sociedade global como a em que vivemos é urgente que se criem normas que assegurem os direitos dos cidadãos: Como direito fundamental, que é intrínseco à própria dignidade da pessoa, mais cedo ou mais tarde, será consagrada uma regra global sobre o tema. Com a internet, a proteção é uma tarefa cada vez mais difícil, que exige uma consciência ativa dos cidadãos e a intervenção das autoridades de proteção de dados, quer ao nível da divulgação destas matérias, oferecendo informação que previna comportamentos que possam por em perigo a privacidade, quer ao nível de sanção avalia Isabel.
Felipe Rotondo, da Unidade Reguladora e de Controle de Dados Pessoais, do Uruguai, concorda que é necessário um debate mundial sobre o tema, mas destaca que as regras devem acompanhar a evolução e contribuir para o melhor desenvolvimento social: Uma normativa de melhor qualidade é obviamente positiva e permitirá a transmissão de dados com segurança, internacionalmente. O primeiro passo, é que as autoridades, em nível mundial, tomem consciência de que esse tema precisa ser abordado em conjunto. Os passos seguintes devem estar relacionados a harmonização dos sistemas jurídicos e a celebração de acordos regionais nessa matéria diz Rotodondo, que no seminário falará sobre o contexto latino-americano.
Para Juan Antonio Travieso, titular da Direção Nacional de Proteção de Dados Pessoais (DNPDP), da Argentina, a melhor forma de proteção que os consumidores têm é conhecer seus direitos e recorrer aos organismos pertinentes quando são desrespeitados: Não se deve entregar mais informações do que a estritamente necessária para levar adiante uma relação de consumo. Os mecanismos de proteção de dados devem ser simples, ágeis, gratuitos e acessíveis a todas as pessoas. O desenvolvimento da cultura da privacidade é um objetivo fundamental, com especial atenção à proteção das crianças para assegurar que naveguem protegidos ressalta Travieso.
Para Google, consumidor deve optar Bessa, da Brasilcon, afirma que o consumidor antes de fornecer seus dados deve se informar sobre o objetivo daquele cadastro e seu uso e, sempre que achar abusivo a coleta de dados, pode se negar a fornecê-los.
No caso de uma compra em uma loja em que o meio de pagamento será o cartão de crédito, por exemplo, não há justificava para se fazer um cadastro, pois o crédito já está pré-aprovado exemplifica e acrescenta que o Brasil precisa discutir que modelo de proteção vai adotar. Na Europa, a proteção é igualitária em relação a dados fornecidos para o governo ou setor privado. Nos Estados Unidos, há uma preocupação maior com o uso de dados pelo setor público.
Do outro lado do balcão, Ivo Corrêa, advogado do Google Brasil, avalia que a melhor alternativa é dar formação e informação para o consumidor para que ele possa fazer as suas escolhas e opte quando considerar vantajoso o fornecimento de seus dados. Corrêa esclarece, por exemplo, que no caso do Google, o armazenamento de dados é usado para melhorar os serviços prestados ao usuário (como de busca, tradução e até em caso de erro de digitação) e que há ferramentas disponíveis que permitem tanto que ele proteja seus dados, como migre-os para qualquer outra plataforma se desistir de usar os serviços da empresa.
Espero que a gente saia do seminário com um modelo de trabalho em parceria para melhorar a informação do cidadão. No Brasil, há uma grande número de usuários da internet, mas a maior parte de informações sobre segurança ainda estão inglês. É preciso produzir conteúdo adequado à realidade local ressalta.
Segundo especialistas, na América Latina, a maior quantidade de denúncia está relacionada a informações errôneas fornecidas à base de dados de risco de crédito, a má utilização de dados pessoais para fins publicitários (o inclui a proliferação de spams) e a operações fraudulentas através do e-mail, conhecidas como phishing. Além da possibilidade da comercialização da base de dados sem o consentimento dos titulares daqueles dados.