Título: A guerra antes da paz no Turano
Autor: Rocha, Carla; Lima, Flávia
Fonte: O Globo, 11/08/2010, Rio, p. 16

Tráfico reage a ocupação para criação de UPP e dois bandidos morrem

Waleska Borges

Pela primeira vez em quase dois anos, depois de ações que acabaram com o tráfico armado em 34 favelas que estão na área de influência das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), a polícia enfrentou ontem uma forte reação ao ocupar o Morro do Turano, no Rio Comprido. Os policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) foram recebidos a tiros. À tarde, traficantes que haviam se escondido na mata deram início a um novo confronto, no qual dois bandidos morreram e um cabo do Bope foi baleado, atingido na barriga. Policiais acharam, também à tarde, um bilhete, deixado num matagal na comunidade chamada Matinha, que demonstra que os traficantes não pensam em desistir facilmente da área. No papel, eles faziam ameaças de retomar o morro, onde será instalada a 12° UPP do Rio: É o Turano e o bonde do Gordão.

Nós vai voltá.

O primeiro tiroteio entre PMs e bandidos que não escaparam com antecedência, como aconteceu nas outras áreas que ganharam UPPs, aconteceu por volta das 6h e durou pouco. Logo em seguida, um outro incidente, na Estrada do Sumaré, próximo a um dos acessos ao Turano, foi registrado. Dez criminosos em fuga, armados de fuzis, pistolas e revólveres, renderam, às 8h, uma equipe da TV Brasil e levaram o carro onde estavam três funcionários da emissora, que faziam reparos numa antena de transmissão na área do Parque Nacional da Tijuca. Foram roubados ainda celulares e documentos. Cinco bandidos fugiram com o veículo em direção a Santa Teresa e os outros cinco entraram na mata.

Bandidos passaram por carro da polícia

O carro com os bandidos chegou a passar por um veículo do Batalhão de Choque, sem despertar a desconfiança dos policiais. Uma das vítimas contou que elas viram a polícia, mas preferiram não avisar sobre o assalto, por medo: Os bandidos que não fugiram de carro estavam na mata atrás da gente.

Policiais do Bope e do Batalhão de Choque vasculharam o matagal na Estrada do Sumaré à procura dos assaltantes. Uma escopeta calibre 12 milímetros foi encontrada. O carro da TV Brasil foi localizado por uma equipe da Rádio CBN na Rua Alice, perto do Morro dos Prazeres, em Santa Teresa. O carro estava aberto e tinha a frente batida.

À tarde, aconteceu o segundo confronto do dia. O cabo Albuquerque, do Bope, foi baleado por traficantes escondidos numa mata próxima ao Turano. Levado para o Hospital Central da PM, o policial foi operado e não corre risco de vida.

A reação do tráfico não foi inesperada.

De acordo com fontes da Secretaria de Segurança Pública, logo após entrarem no Salgueiro, na Tijuca, há 11 dias, os policiais do Bope perceberam que a grande proximidade entre as duas favelas poderia oferecer riscos, e não estava descartada a possibilidade de confrontos, se as equipes de PMs se deparassem com bandidos nas imediações. Além do forte tráfico, o Turano é reduto de quadrilhas de assaltantes de bancos e ladrões de veículos. Foi decidido então que a entrada na favela, que só deveria acontecer dentro de um mês, seria antecipada. Dessa vez, ao contrário do que costuma acontecer, não houve uma ação prévia da PM na favela. No Borel, por exemplo, antes de entrar em definitivo, a polícia cumpriu 15 mandados de prisão e chegou a prender cinco pessoas, entre elas o gerente do tráfico local.

O relações-públicas da PM, capitão Ivan Blaz, disse que essa não foi a primeira vez que houve confronto para a instalação de uma UPP.

No Pavão-Pavãozinho e na Cidade de Deus, houve confronto.

Sem dúvida, hoje (ontem) foi um confronto real, houve dificuldades.

Mas não é a primeira vez que isso acontece disse ele, observando ainda que as características geográficas foram um desafio à parte. A área do Complexo do Turano é um pouco maior do que a do Salgueiro.

É uma região íngreme e com muitas vielas.

Mas, ao contrário do que diz o oficial, nunca houve confronto no primeiro dia de ocupação para implantação de UPP. No Cantagalo e no PavãoPavãozinho, em Copacabana, ocupados em dezembro do ano passado, a reação só aconteceu no dia seguinte: bandidos incendiaram um ônibus na Avenida Nossa Senhora de Copacabana. Não houve vítimas.

Na Cidade de Deus, até agora considerada a situação mais difícil de ser controlada, foi preciso reforçar o efetivo da UPP com cem homens para dar conta das muitas tentativas do tráfico de se impor.

A socióloga Julia Lemgruber, diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, acredita que a reação do tráfico se acentua na medida em que fica clara a disposição do estado de avançar com a política de ocupação: O tráfico está cada vez mais acuado. Havia a expectativa de que as UPPs fossem parar na Zona Sul, mas a polícia, ao avançar para comunidades da Tijuca, dá um sinal claro de que vai continuar, o que vai gerar reações mais agudas daqui para frente.

Os policias ocuparam o Turano por volta das 3h. Foram mobilizados 260 homens não só do Bope, como do Batalhão de Choque, do 6° BPM (Tijuca), do 1° BPM (Estácio) e do Grupamento de Resgate. Os PMs chegaram por quatro acessos: do lado do Morro do Salgueiro, pela Praça Del Vecchio, pelo Beco 117 e pela Casa do Bispo. O grupo contava com a ajuda de um blindado e de uma retroescavadeira. A Unidade de Intervenção Tática do Bope um trailer ficará baseada no Largo da Matinha, na subida do morro.

A nova UPP vai beneficiar nove mil moradores do Turano e mais nove mil nos arredores. A área de influência chega ainda aos morros da Chacrinha, do Bispo e às regiões da Matinha, Rodo e Sumaré. Com a ocupação, sobe para 200 mil o número de pessoas beneficiadas diretamente pelas unidades no Rio, nos dois anos de existência do projeto.

O número pode ser acrescido em mais 360 mil se for considerada a população dos bairros vizinhos.

Durante a operação, os policiais recuperaram dois carros roubados e apreenderam radiotransmissores e papelotes de cocaína que eram vendidos por R$ 7,00, além material para embalar a droga e uma granada.