Título: Casas de barro, de lona, de restos
Autor: Vaz, Lúcio
Fonte: Correio Braziliense, 28/06/2009, Política, p. 4

Sem receber recursos do PAC, moradores do nordeste goiano improvisam na construção de moradias. Em Damianópolis, os ¿sem teto¿ ocupam um asilo

Lúcio Vaz Enviado especial

Fotos: Paulo H. Carvalho/CB/D.A Press Balbino Barbosa, morador do interior de Buritinópolis, improvisou um banheiro ao lado da casa de adobe

No asilo, jovens casais e crianças ocupam espaço de idosos

Josefa de Jesus ergueu uma casa com restos de construção

Buritinópolis e Damianópolis (GO) ¿ Silvano Martins, 28 anos, desempregado, não tem onde morar. Vive de bicos. De vez em quando tira ¿10 ou 15 contos¿. ¿Não dá pra sobreviver. Tem dias que a gente passa precisão das coisas.¿ Ele mora com a mulher, Lucilene Oliveira, 19 anos, num asilo de velhos em Damianópolis. A pressão dos ¿sem teto¿ foi tão grande que a prefeitura abriu as portas do asilo para famílias que não tinham onde morar. Em condições sanitárias precárias, acomodações apertadas, a casa recebe dezenas de jovens e até crianças. Elas brincam no pátio central, por onde escorre a água que sai dos banheiros e do tanque de lavar roupa. O déficit habitacional é de pelo menos 200 casas na zona urbana.

O jovem casal veio de Campos Belos a procura de emprego. ¿A gente alugou uma casa, mas não estava dando conta de pagar. O jeito é a gente ficar aqui no asilo, até o dia que Deus abençoar a gente.¿ Pergunto se o casal tem filhos. ¿Tinha um, mas só que morreu¿, responde Silvano, com tristeza. Do outro lado do ¿cortiço¿, Vilma Campos, 35 anos, diz há quanto tempo mora no asilo, com o marido e três filhos. ¿Vai fazer dois anos. Nunca tive casa.¿ Ela faz diárias como doméstica. ¿Meu marido não trabalha, tem problema com bebida. Já tentei internar ele.¿ Questionada se gostaria de ter uma casa, responde: ¿Gostaria, era o meu sonho¿. Mas logo refaz a frase: ¿É o meu sonho, é o sonho de qualquer pessoa¿.

No outro lado da cidade, Francisco Xavier, 71 anos, mora sozinho numa casa com cerca de 10m², feita de toras de madeira. Não tem filhos, mora sozinho. Mas ele faz um reparo: ¿Eu e Deus¿. No interior da casa, só há espaço para uma cama e o fogão. O resto está tomado por tralhas. Não há energia elétrica. Sem outra opção de moradia, construiu a casa há cinco anos.

Buritinópolis, município de menor índice de desenvolvimento humano (IDH) do estado, tem um déficit habitacional de 180 moradias. Isso sem contar as 40 casas que estão quase prontas, mas ainda não foram entregues por causa de irregularidades na administração anterior. Com recursos do PAC, a obra começou há dois anos e meio. A atual prefeita, Aparecida da Cruz Costa (PR), conta que o prefeito anterior, responsável pelo atraso, chegou a fazer um sorteio para distribuir as casas no ano passado. ¿A partir do sorteio, o pessoal quer entrar. Foi uma confusão. A gente explicou que a Caixa não pode liberar antes de termina a obra.¿

Falta colocar cerâmica nos banheiros, chuveiro, torneiras, caixas-d¿agua. Mas ela acrescenta que a vila não vai resolver o déficit habitacional da cidade. ¿Precisamos de 180 casas, além dessas 40.¿ A situação é semelhante em Nova Roma. Dona Santana França mora com o marido e oito filhos numa casa de adobe (barro cru). A sogra de Santana, Josefa de Jesus, mora no fundo do quintal, numa casa feita de restos de construção, cheia de frestas e goteiras. Cem metros adiante, uma vila popular entregue no ano passado tem metade das casas vazias. Muitas das que estão ocupadas foram compradas há poucos meses de pessoas que foram sorteadas. Leidiane Silva comprou uma por R$ 3,5 mil.

ENTREVISTA ¿Só presta na seca¿

Dona Santana Rodrigues de França, 48 anos, explica como manter oito filhos com uma renda de R$ 45. Ela espera ganhar uma casa nova, porque a sua ¿só presta na seca¿.

Moram a senhora, o marido e quantos filhos aqui? São oito filhos.

O seu marido trabalha na roça? Trabalhava, mas agora não trabalha mais nada. Tá igual a uma criança. Ele fez sete operações, e não trabalha mais.

Qual a renda de vocês? É o Bolsa Família.

Quanto a senhora recebe? Recebo R$ 45. É pra tudo, pra comprar material, roupa, calçado. Nós passamos mais fome que barriga cheia.

E a casa, como está? A casa só presta na seca. No inverno, molha tudo.

E esse monte de tijolos aqui no chão? Era o banheiro. Caiu.