Título: Escândalos inúteis
Autor: Coimbra, Marcos
Fonte: Correio Braziliense, 28/06/2009, Política, p. 6

De tanto fechar os olhos, o que vão conseguir é amarrar as mãos de quem vencer. Escândalos, no Brasil, não servem para nada, pois nem para que aprendamos com eles servem.

O mais recente escândalo do Senado tem um aspecto inusitado. Não que ele seja maior ou pior do que os outros que presenciamos rotineiramente. Política e malfeitoria viraram quase sinônimos no Brasil e não é de hoje. O ingrediente incomum do atual é quanto ele revela do cotidiano da vida dos poderosos. Não de todos, naturalmente, como somos obrigados, por dever de justiça, a repetir. Em algum lugar, bem escondido, deve haver um que faz diferente.

Ficamos vendo, na crise do Senado, como é o dia a dia da vasta maioria de seus integrantes. Não nos detalhes picarescos de suas aventuras amorosas, como aconteceu quando Renan Calheiros estava na berlinda. Nem nas negociatas em torno de obras públicas, de que Jader Barbalho foi acusado há alguns anos. Tampouco nas altas tramóias visando ao controle da Casa, nas quais se envolveu Antonio Carlos Magalhães.

Agora, em comparação, temos coisas miúdas: uma nomeação aqui, um parente acomodado no gabinete do amigo ali, empregados domésticos que fingem dar expediente, contas de celular (e que contas!) pagas ¿de favor¿ para parentes, adicionais de remuneração que, isolados, não significam quase nada (mesmo se são tantos que eles próprios se confundem e os acabam esquecendo). Como são muitas coisinhas, o volume fica grande, o que não tira delas seu caráter pequeno.

O problema é o que elas descortinam: um mundo onde essas vantagens estão de tal forma incorporadas à vida dos políticos que eles têm até dificuldade de reconhecê-las. Não foi o senador Sarney quem disse que não sabia que ganhava um adicional de moradia indevido, de 3 mil reais? Enquanto o país presta atenção nesse escândalo, outros vão acontecendo em seu ritmo normal. Como mostrou este jornal ao longo da semana, há um que tem, também, um toque emblemático. Nele, literalmente, o dinheiro público vira festa.

Se os casos do Senado deixam ver os detalhes pequenos da vida dos grandes, esse mostra quão grandes são os trambiques que gente pequena consegue fazer. Chega a ser incrível o tamanho que assumem. Na Praça dos Três Poderes, R$ 500 mil podem ser pouco e um membro da aristocracia política gasta isso sem nem notar. Mas e em Virgolândia, no Leste mineiro, onde esse valor é 3 vezes maior do que aquilo que a cidade recebe do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica, para custear as despesas com educação no município durante um ano?

Lá, essa verba foi aplicada na promoção de duas festas, por meio de emendas do deputado João Magalhães (PMDB-MG), aquele da Operação João-de-Barro, o mesmo que destinou algumas centenas de milhares de reais para Alpercata fazer sua Festa do Quiabo, Jampruca sua Cavalgada, Coroaci a Festa do Bugrense Ausente e Pavão a Festa do Forró do Regaço. Esse carnaval está sendo investigado pela Procuradoria da República, que já tem indícios de superfaturamento estratosférico em algumas despesas.

Não há pior em uma disputa como essa. O senador prestigioso, ex-tudo no seu estado, que manda por na conta do contribuinte sua cozinheira é pior do que o prefeito da pequena cidade que se mancomuna com um deputado cara de pau? Quem acha que não precisa explicar ¿coisinhas pequenas¿ ou quem esconde coisas grandes? Já é ruim achar que não tem jeito, que é isso mesmo. Mas mais grave é poder fazer alguma coisa e não fazer.

Estamos indo para uma nova eleição presidencial. Na tentativa de garantir sabe-se lá que apoios regionais, palanques que ninguém garante que tenham eficácia e alguns minutos de televisão, os estrategistas dos dois lados parecem prontos a fazer as concessões que lhes forem pedidas. De tanto fechar os olhos, o que vão conseguir é amarrar as mãos de quem vencer. Escândalos, no Brasil, não servem para nada, pois nem para que aprendamos com eles servem.