Título: Lenta aceleração
Autor: Allan, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 28/06/2009, Economia, p. 14

China começa a puxar retomada do crescimento de países emergentes, mas sem volta da força dos Estados Unidos em 2010, mundo vai patinar

Superada a fase aguda da maior crise internacional das últimas sete décadas, os olhos dos observadores passaram a mirar a etapa seguinte: a retomada do crescimento global. As duas únicas potências capazes de fazer a roda voltar a girar são Estados Unidos e China (leia quadro ao lado). A primeira etapa da reaceleração, puxada pelo consumo chinês, já está em curso, mas terá alcance limitado. O mundo só sairá do atoleiro quando o segundo pelotão, impulsionado pelo retorno pleno dos norte-americanos às compras, marchar a partir de 2010.

Em ambas as situações, o mecanismo de transmissão de desenvolvimento será o comércio exterior. Mostrando impressionante capacidade produtiva, a China deve crescer ao menos 8% este ano, um ritmo superior aos 6% estimados inicialmente. Isso será possível porque o governo apostou no sucesso dentro de casa, torrando US$ 687 bilhões em dinheiro público para incentivar a entrada de milhões de pessoas no mercado consumidor. Com isso, as importações de produtos agrícolas e minerais subiram, beneficiando as demais nações emergentes.

No caso dos Estados Unidos, existe a presunção de que as medidas do governo Barack Obama para diminuir o nível de endividamento das famílias e resolver a escassez de crédito surtirão efeito a partir de 2010. Dessa forma, os consumidores voltarão a mostrar seu apetite voraz pelas compras, o que aquecerá o comércio, a indústria e o nível de emprego. Mais renda no bolso do trabalhador significará mais consumo, num círculo virtuoso que tirará o país da recessão. De novo, ele passará a importar em grandes quantidades, estimulando a indústria e o setor básico tanto dos demais países desenvolvidos como dos emergentes.

¿O mundo continua refém dos Estados Unidos. Só eles têm a capacidade de bancar recuperação global firme. Achar que a China vai puxar a retomada do mundo é ilusão. O crescimento chinês só melhora o balanço de pagamento dos países que exportam produtos básicos para lá¿, afirma o economista Julio Sérgio Gomes de Almeida, professor da Unicamp e ex-secretário de Política Econômica. Os EUA respondem por 25% do produto mundial, enquanto os chineses ficam com 8,1%.

De acordo com as estimativas do Fundo Monetário Internacional, a economia global vai sofrer contração de 1,3% este ano, mas crescerá 1,9% no que vem. Os EUA passariam de resultado negativo de 2,8% para a estabilidade, embora analistas independentes acreditem que eles podem crescer até 1% em 2010. O panorama das demais nações avançadas não é animador. Segunda maior economia global, o Japão teria retração de 6,2% em 2009 e retomada de 0,5% no ano seguinte. Na Zona do Euro, seriam dois resultados ruins: -4,2% e -0,4%.

Nesse ambiente de baixa nas exportações, o Brasil se sai melhor por causa do bom mercado interno e por ser razoavelmente fechado às importações. ¿Os países emergentes com mercado doméstico grande, como China e Brasil, vão se destacar. Vamos crescer de 3,5% a 4% no ano que vem, mesmo se os desenvolvidos continuarem patinando. Os setores voltados para a demanda interna, como os de bens de consumo duráveis, vão sair na frente¿, prevê o economista-chefe da Tendências Consultoria, Juan Jensen.

Nos Estados Unidos, a política de gastar US$ 787 bilhões em obras públicas para aquecer o nível de atividade pode dar um resultado no médio prazo, mas elevará o déficit fiscal a 13% do Produto Interno Bruto (PIB), batendo o recorde de 1942, quando o país entrou na Segunda Guerra Mundial. ¿O aumento das despesas públicas será importante para evitar que os EUA entrem numa depressão, mas sair da recessão, só com o aumento do consumo¿, insiste Gomes de Almeida. Para Jensen, as famílias norte-americanas só vão se endividar novamente se tiverem confiança de que não perderão seus empregos.

A Tendências projeta queda de 2,5% no PIB dos EUA este ano e crescimento de 1% em 2010. Na avaliação do diretor do Centro de Economia Mundial da FGV, Carlos Langoni, a diminuição na alavancagem nos empréstimos depois da crise vai reduzir o potencial de expansão da mundial. O volume de financiamentos concedidos pelos bancos (até 30 vezes superior aos seus ativos) foi uma das razões da crise, encolhendo a oferta de crédito e desanimando os consumidores a se endidarem, lembra Langoni.

Capital seletivo Ex-presidente do Banco Central, Langoni afirma que ¿nesse ambiente em que os capitais disponíveis para aplicação ficarão mais seletivos, vai sair ganhando quem tiver uma política econômica consistente e um mercado doméstico robusto. Os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) serão privilegiados na atração de investimentos¿, diz. Para ele, a recuperação será assimétrica, com vantagem para os emergentes. Os Estados Unidos, por exemplo, devem crescer metade das taxas vistas nos últimos 10 anos.

¿A grande estrela da economia mundial continuará sendo a China. Ela está fazendo melhor do que todos a migração do mercado externo para o doméstico¿, assegura Langoni.

O economista Armando Castelar Pinheiro, da Gávea Investimentos, não acredita que a recuperação global será sustentada por um ou outro país em particular. ¿Está havendo um alívio no mundo inteiro. O aumento das despesas públicas dá um alento, mas a solução virá do equilíbrio entre os países no comércio exterior¿, afirma.