Título: Mais básico e mais vulnerável
Autor: Oswald, Vivian; Beck, Martha
Fonte: O Globo, 08/08/2010, Economia, p. 33

Brasil perde US$ 27 bi por exportar menos manufaturas

BRASÍLIA

O novo perfil da pauta de exportações brasileira pode custar caro ao país a partir deste ano. Estudo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), feito a pedido do GLOBO, revela que o Brasil deve deixar de ganhar este ano cerca de US$ 27 bilhões (aproximadamente R$ 48 bilhões) com a queda nas vendas ao exterior de produtos industrializados, que têm maior valor agregado e independem do vaivém das cotações, como é o caso das matérias-primas. A fatura bilionária refere-se à diferença entre o que poderia ser exportado até o fim do ano (não fossem o real valorizado, as deficiências estruturais e o custo Brasil) e o que o país embarcou em 2008, um ano antes da crise internacional que atingiu em cheio o setor.

O valor seria suficiente para cobrir 56% do déficit em conta corrente (resultado das transações realizadas pelo país com o exterior) previsto pelo mercado para 2010, de US$ 48 bilhões. A queda do saldo comercial é um dos principais motivos para o rombo nas contas externas, deixando o país mais dependente de capitais de curto prazo.

A participação dos manufaturados vem sofrendo queda progressiva na pauta de exportações brasileira. Em 2000, bens industrializados eram 58,91% de tudo o que se enviava ao exterior, contra 22,79% de produtos básicos. Em 2010, até junho, os produtos de maior valor agregado foram 40,52% do total, contra 43,38% dos básicos.

A última vez que o Brasil exportou mais produtos básicos do que manufaturados foi em 1978. À época, a participação das commodities (matériasprimas, como minério de ferro, soja etc.) na pauta era de 47,2%, contra 40,2% dos manufaturados.

Produtos industrializados valem mais. Enquanto uma tonelada de minério custa cerca de US$ 100, um contêiner com a mesma quantidade de sapatos custa pouco mais de US$ 22 mil. Além disso, para produzir os manufaturados, mais empregos são gerados e mais impostos são arrecadados.

Enfim, mais riqueza.

Ainda sem conseguir retomar o ritmo pré-crise, a indústria se queixa da falta de políticas específicas para os manufaturados.

O câmbio é uma das principais dificuldades apontadas pelo setor. Os manufaturados também são mais sensíveis à questão da competitividade e do custo Brasil, de acordo com a consultora Sandra Rios, da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Enquanto a economia mundial vinha crescendo e o câmbio se mantinha favorável, diz, os outros problemas não eram tão perceptíveis.

Matéria-prima segue preço internacional

Boa parte do governo minimiza a questão, e o próprio ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou recentemente que exportar majoritariamente commodities não é um problema, a despeito das oscilações de cotação comuns a mercadorias com preços negociados internacionalmente que, este ano, estão em alta.

Para ser um exportador de commodities, é preciso ter uma ótima infraestrutura, o que nós não temos. É preciso ter meios de escoar a produção, tendo em vista as grandes quantidades embarcadas rebate o vice-presidente da AEB, José Augusto de Castro.

Há 86 anos no ramo de equipamentos médicos e hospitalares, a Fanem conseguiu driblar o câmbio, cortar custos, investir em inovação, obter certificados internacionais de qualidade e se firmar em 90 países pelo mundo. No entanto, perdeu uma concorrência na América Central por não poder se comprometer com uma entrega no prazo solicitado.

Não havia navio de bandeira brasileira disponível para o transporte. Na China, havia dezenas afirma Marlene Schimitt, presidente do grupo que é o 20ono ranking mundial para produtos neonatais e o maior do Brasil.

Com o apoio da Agência Brasileira de Promoção de Exportação e Investimentos (Apex), a empresa tem se projetado nos mercados internacionais e se globalizado. Está fincando o pé na Índia onde nasce um bebê por segundo e está prestes a abrir uma fábrica no país. Também deve abrir um escritório na Jordânia. Essas são alternativas para fugir das dificuldades estruturais internas do Brasil, mas que exportam empregos e renda dos brasileiros.

O setor calçadista, que cria 360 mil empregos diretos e outros 650 mil indiretos, reclama, por exemplo, da competição com os chineses. Enquanto aqui são produzidos 815 milhões de pares (dos quais 126 milhões são exportados), os chineses produzem 10 bilhões e, destes, exportam seis bilhões.

O setor é prejudicado com os efeitos da oscilação cambial. A desvalorização da moeda leva o fabricante a corrigir a tabela de preços. O aumento não é aceito pelo importador, que já é atingido pela crise de consumo em seus países afirma Heitor Klein, diretor executivo da associação brasileira do setor, a Abicalçados.

Para o vice-presidente da AEB, depender das commodities é um risco: Ficamos ao sabor do vento. Em 2011, qualquer crise externa pode derrubar nossas exportações em 10%.

Este ano, o minério de ferro deve ser responsável por US$ 24 bilhões na balança comercial, cerca de 12,7% do total projetado para 2010. Isso porque a tonelada está cotada a cerca de US$ 100. No ano passado, era US$ 49,79, muito abaixo dos US$ 9,5 mil do valor de um contêiner carregando um veículo com peso equivalente.