Título: De caloteiro a bom exemplo
Autor: Allan, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 28/06/2009, Economia, p. 15

Após moratória de 1987, Brasil quita dívidas e se torna credor do FMI

Durante décadas, o Brasil carregou merecida fama de caloteiro. Quando a coisa apertava, os governos rompiam com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e deixavam até os credores privados de mãos vazias. Depois da moratória decretada pelo presidente José Sarney em 1987, o país enfrentou sérios problemas para se financiar. A realidade começou a mudar com a edição do Plano Real, que completa 15 anos em 1° de julho. Hoje, as reservas internacionais (veja gráficos) são maiores que a dívida externa, o país quitou os débitos com o FMI e até lhe emprestou US$ 10 bilhões, reduziu o rombo nas finanças públicas e lançou bônus internacionais em reais. Tudo isso se resume numa palavra: credibilidade.

A recuperação na confiança no país teve dois períodos. No primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, a ênfase foi dada ao corte da inflação pela âncora do câmbio fixo. A política fiscal foi frouxa. De 1995 a 1998, o resultado primário (economia para pagar juros da dívida) foi mínimo ou negativo. Em setembro de 1998, com a crise da Rússia e o ataque especulativo ao real já se insinuando, o governo apertou o torniquete. Adotou como mantra a produção de saldos positivos no orçamento, aumentando a arrecadação e segurando alguns gastos. O valor do real passou a ser mantido também pela política fiscal. Até hoje, foram 43 trimestres seguidos de superávit.

¿A crise russa deixou claro que haveria interrupção no fluxo de recursos externos. Não tínhamos saída a não ser fazer o ajuste fiscal. Precisávamos contar com recursos internos para nos financiar¿, lembra o economista Martus Tavares, secretário-executivo e ministro do Planejamento na administração FHC. Ele atribui a respeitabilidade atual a uma série de mudanças feitas naquele período. Primeiro, o governo liquidou ou vendeu estatais. Depois, reconheceu ¿esqueletos¿: dívidas que não entravam na contabilidade oficial.

Os passos seguintes foram a renegociação dos débitos dos estados, a privatização de quase todos os bancos estaduais e a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2000, proibindo a criação de despesas permanentes sem a indicação das receitas correspondentes e impedindo o endividamento para cobrir gastos. ¿A mudança fundamental foi na mentalidade dos administradores públicos. Não tínhamos a cultura de só gastar o que se arrecada¿, afirma Martus.

O governo Lula mantém bons resultados nas contas públicas. O déficit, que chegou a 24,67% do PIB em 1994, foi de 1,53% em 2008, está em 2,34%. Esse nível é menor do que os 3% exigidos pela União Europeia de seus membros.

Martus Tavares Martus tem experiência de pelo menos 23 anos em assuntos fiscais. Entrou para o Tesouro Nacional em 1986, quando o órgão foi criado. Foi para o Ministério do Planejamento, onde galgou postos até ser ministro, entre julho de 1999 e abril de 2002, onde chefiou a elaboração da Lei de Responsabilidade Fiscal. Depois que deixou Brasília, foi secretário de Economia e Planejamento de São Paulo e vice-presidente executivo da Federação das Indústrias de São Paulo. Continua atuando na iniciativa privada e não pretende voltar a posto público.

Paulo Valle Paulinho, como é conhecido no Tesouro, começou a trabalhar aos 19 anos no Banco do Brasil. Em 1992, chegou ao Tesouro, onde foi lotado na área de administração da dívida. Desde então, foi coordenador da dívida durante sete anos, tornando-se secretário-adjunto em 2006, com a chegada de Carlos Kawall à secretaria. Valle fez um MBA em Finanças no Ibmec e especialização em economia na Universidade George Washington, nos Estados Unidos. É um dos mais respeitados técnicos no Ministério da Fazenda.

Novo status

O secretário-adjunto do Tesouro, Paulo Valle, cita dados que confirmam o status brasileiro. Em 2005, o governo pagou US$ 20,4 bilhões ao FMI, quitando uma dívida. Depois, fez oito operações externas de venda de bônus em reais, num total de US$ 4,73 bilhões. ¿Os investidores aceitam carregar os papéis por até 20 anos com remuneração de 10,6%. Significa que acreditam em inflação anual de 4,5% até 2028¿, diz.