Título: Há crescimento da capacidade de cobrança das pessoas em relação aos governos
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 08/08/2010, O País, p. 10

JOSÉ ÁLVARO MOISÉS

Professor do Departamento de Ciência Política da USP, José Álvaro Moisés observa mudanças no comportamento dos segmentos que melhoraram de vida nos últimos anos. Aumento do salário, acesso ao consumo, emprego com alguma estabilidade e informação contribuíram para formar um eleitor mais crítico e atento. Na avaliação do professor, que lançou no Congresso da Associação Brasileira de Ciência Política, em Recife, o livro Democracia e confiança Por que os cidadãos desconfiam das instituições públicas, estas eleições já deverão refletir esse comportamento.

Enviado especial RECIFE

O GLOBO: Como essas mudanças afetam o comportamento eleitoral? JOSÉ ÁLVARO MOISÉS: Quando melhoram as condições de vida, as pessoas tendem a ter esse componente no leque de fatores que levam à escolha do voto. Não acho que decida sozinho, mas que isso está cada vez mais presente, e vem ocorrendo nas eleições desde o Plano Real. É uma resposta que parte substancial do eleitorado tem dado, ou seja, de querer saber quanto as políticas públicas ou o Estado são capazes de atender expectativas.

Isso é um elemento extremamente importante das democracias consolidadas.

Ajuda a organizar o comportamento eleitoral, embora, grifo isso, esse fator não explique sozinho o comportamento (eleitoral). Esses segmentos que estão chegando num patamar social e econômico novo vão ter um papel no sentido de avaliar políticas públicas. Não quer dizer que vão avaliar as políticas do governo Lula. Mas é uma base para um segmento se tornar mais crítico. Esse pessoal é mais informado do que antes. Tudo isso afeta o comportamento eleitoral; agora, em que direção, é difícil de dizer.

É possível pensar numa ação mais homogênea da nova classe média? MOISÉS: Não acredito. Não é comportamento de classe, no sentido estrito.

Nem comportamento de manada. São segmentos que estão se beneficiando de condições que poderiam ser sintetizadas em termos da sua inserção social e econômica, e que vão usar essas informações como elemento de decisão.

Se vão votar todos numa direção, acho difícil predizer, porque são segmentos com fluxos de influência muito diferenciado.

Tem desde o pequeno proprietário até o indivíduo que na profissão deu um salto. Tem uma variação grande, e as referências de grupos sociais, de partidos, e ideológicas são bem diversificadas.

Imagino que tem um segmento forte do PT aí, mas também tem um segmento do PSDB, e sem esquecer um segmento conservador, que em geral unifica essas novas condições econômica e social em segurança e, portanto, uma certa orientação que pode ser conservadora.

Todos esses elementos vão estar presentes. Quando você tem eventos políticos, sociais e econômicos muito mobilizadores, funcionam como signos de atração, como o Plano Real, o Bolsa Família. São fatores mobilizadores que respondem à novidade econômica, política e social. Isso pesa. Mas não temos informações suficientes para entender se esses novos segmentos são capazes de fazer prospecção deles para o futuro. Aumentou o otimismo. Aquela ideia que muitas vezes frequentava segmentos da baixa classe média, de Brasil miserável, O Brasil pobre, o Brasil não tem saída. Essas ideias negativas progressivamente foram deslocadas.

Há certa onda de otimismo, e está atingindo esses segmentos. Em que direção vai, vai depender da campanha eleitoral, da simpatia e da capacidade dos candidatos. Há otimismo, perspectiva de vida, melhores salários, empregos aparentemente assegurados, melhor condição do país de controlar crises, mas ao mesmo tempo mais conservadorismo, mais temor de perder essa situação.

Há mudanças na maneira de o cidadão lidar com instituições públicas? MOISÉS: Tenho uma visão impressionista, não baseada em pesquisas.

Há um crescimento da capacidade de cobrança das pessoas em relação aos governos, e principalmente em relação aos partidos. Se você olhar em relação há 10 ou 20 anos, o número de organizações não governamentais que estão, de alguma maneira, interpelando o eleitor para ser mais atento, para cobrar, para olhar se o candidato está na ficha suja, aumentou.

Isso está associado a uma melhor inserção das pessoas na sociedade.