Título: Do poder de compra ao poder político
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 08/08/2010, O País, p. 10

Classe C reúne mais da metade dos brasileiros e, segundo estudo da FGV, poderia decidir uma eleição

RIO e SÃO PAULO. Um grupo que tem fome de consumo e foi decisivo para o Brasil driblar a crise internacional pode agora decidir a eleição presidencial: a classe C, uma nova classe média brasileira que equivale a pouco mais da metade da população e que recentemente se transformou no setor de maior poder econômico (a sua renda supera a das classe A e B, juntas).

O voto da classe C será preponderante, se não decisivo sugere um recente estudo feito pelo Centro de Políticas Sociais (CPS), da Fundação Getulio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro, informando que o eleitor mediano, isto é, aquele que decide os pleitos eleitorais, está concentrado naquela faixa.

A classe C seria capaz de eleger sozinha um candidato já no primeiro turno, afirma o Atlas do Bolso dos Brasileiros, que contém o perfil dessa categoria, traçado por uma equipe liderada por Marcelo Neri, economistachefe do CPS: Ela tem hoje essa capacidade.

Se agisse como um bloco homogêneo definiria o pleito logo no primeiro turno ressaltou Neri, deixando implícito que, embora consciente de seu poder de compra, a classe C pode ainda não ter percebido a força de seu poder político.

Engana-se quem imagina que a classe C já apelidada de nova classe média ocupa tal status devido ao Bolsa Família.

A classe C tem renda familiar de R$ 1.115 a R$ 4.800 mensais.

O Bolsa Família beneficia as classes D e E. Juntas, as duas não têm o mesmo poder de fogo da C. Mas poderiam fortalecer ainda mais o seu cacife, caso decidissem endossar a escolha de um mesmo candidato.

De acordo com os cálculos da FGV, a classe C se tornou a dominante em termos de massa de renda já em 2008, quando atingiu 47,75% da renda, enquanto as classe A e B, juntas, ficaram com 44,05%. E continua em franca ascensão. Em 2003, a C correspondia a 31,3% da população.

Hoje representa 53,6% dos consumidores, e possui 70% dos cartões de crédito em circulação no país. As classes A e B são 15,6% da população.

A indústria, o comércio, os bancos, as empresas de serviço, a publicidade e até as corretoras das bolsas de valores desenvolvem estratégias específicas visando esse público. Os partidos políticos começam também a se preocupar com ele.

Não existe fidelização do voto, diz presidente do PT O PT procura cativar esse eleitorado uma vez mais. Boa parte de quem chegou à classe C em algum momento se beneficiou das políticas sociais e econômicas do governo. Nos últimos oito anos, 24 milhões de pessoas da classe D subiram um degrau.

Mas, apesar disso, os estrategistas da campanha de Dilma Rousseff não se fiam em fidelidade.

Para eles, é preciso vender a ideia de que a continuidade um governo de alguém apoiado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva seria uma garantia de que o progresso continuaria.

Como as conquistas já estão garantidas, elas querem mais. Depois de determinado patamar, as pessoas não ficam agradecidas. O voto delas não é automático. Não é suficiente falar do passado, pois não existe fidelização do voto, a não ser dos militantes disse José Eduardo Dutra, presidente do PT.

A equipe de José Serra, do PSDB, trabalha para atrair eleitores que se beneficiaram dos programas sociais e da política econômica. Isso fica aparente no slogan O Brasil pode mais.

De acordo com o Ibope, sete de cada dez eleitores consideram que seu poder de compra melhorou desde 2008, e a maioria deles está na classe C.

Na classe C também há uma parcela descrente da política. É o caso de Marluce Berta Ferreira, 36 anos, supervisora de uma lanchonete na Zona Sul de São Paulo. Migrante pernambucana, solteira, ela vive com o filho de sete anos. Com um salário de R$ 1.200, diz que a sua vida está melhorando. Comprou casa há quatro anos, e o filho estuda em escola particular (hoje 33% dos estudantes de colégios privados são da classe C). Segundo ela, a melhoria nas condições de vida, é um mérito meu: O governo não ajuda nada! O próximo não vai ser muito diferente. Há duas eleições voto em branco disse ela, que votará em branco.

Saide Nicolau, 57 anos, que trabalha numa loja de roupas na cidade mais rica do país, com salário mensal de R$ 1.500, diz que o fato de a economia ter crescido e a desigualdade de renda diminuído nos últimos anos não é garantia para apoiar a candidata de Lula: Minha vida piorou. Pago as contas e meu nome está limpo.

Mas hoje não tenho condições de sair para me divertir. Não acredito no PT. Lula não fez nada afirmou, contando que, por isso, pretende votar em Serra.

Neri, da FGV, vê a batalha pelo eleitor mediano como novidade nesta eleição: O pode mais, da oposição, é um grande lema. Na verdade, o único possível hoje: ênfase na agenda positiva. Até pouco tempo a oposição ficava negando as coisas, falava em Bolsa Esmola. Hoje, temos esse lado positivo, devido aos índices palpáveis de crescimento. Agora se destaca que podemos continuar melhorando. As propostas ressaltam o aspecto de como alavancar a vida das pessoas.