Título: O dilúvio e o êxodo
Autor:
Fonte: O Globo, 12/08/2010, O Mundo, p. 34

Enchentes causam colapso no Paquistão e 6 milhões dependem de ajuda para sobreviver

AMONTOADOS num caminhão, sobreviventes buscam abrigo

HELICÓPTERO militar resgata moradores de aldeia isolada

FUGA EM massa: sobreviventes deixam a aldeia de Bssera (acima) com o que conseguem carregar. Multidões disputam garrafas d'água (à esquerda) e, em Muzaffargarh, homens em fuga de uma aldeia abrem caminho pela enchente

ISLAMABAD

Como numa cena saída da Bíblia, centenas de milhares de paquistaneses puseram-se em fuga desabalada ontem diante do avanço das inundações em direção ao sul do país, ao longo do Rio Indo. Em longas filas a pé, aboletadas em carros e carroças, empoleiradas em caminhões ou resgatadas de helicóptero, as famílias das áreas atingidas procuraram salvar-se ¿ e o pouco que conseguiam carregar de seus pertences ¿ da catástrofe, tachada pelo governo como a maior da História do Paquistão.

As inundações já submergiram cerca de 700 mil hectares de plantações de algodão, arroz, cana de açúcar e milho, fazendo disparar o preço dos alimentos para quem ainda pode comprá-los.

¿ Eu tinha estocados 200 quilos de milho em casa, e as águas levaram tudo. Toda a nossa riqueza foi destruída junto com o nosso trigo ¿ lamentou o agricultor Dil Aram Khan, de Pirpai, no distrito de Nowshera.

Confrontada com a magnitude da tragédia, as Nações Unidas fizeram um apelo por US$460 milhões em ajuda de emergência para socorrer as vítimas, enquanto autoridades locais tentavam reforçar a estrutura de duas barragens que ameaçam romper-se, em Sukkur e Hyderabad, na província de Sindh. A previsão de mais chuvas para os próximos dias e o alerta para novas inundações no sul do país podem piorar ainda mais a situação. As cheias já afetaram 14 milhões de pessoas, deixaram pelo menos 1.600 mortos e mais de dois milhões de desabrigados. O número de pessoas que dependem de ajuda imediata para sobreviver chega a seis milhões.

¿ Se não agirmos rápido o suficiente, muito mais gente pode morrer de doenças e falta de comida ¿ alertou o chefe da agência de assistência humanitária da ONU, John Holmes.

A verba pedida pela ONU seria suficiente para 90 dias, e o premier Yousuf Raza Gilani afirmou que o governo fará um balanço das necessidades de reconstrução após a apuração final dos danos. Segundo o ministro da Informação, Qamar Zaman, até agora, 722 mil casas foram destruídas. Estradas submersas e vilarejos completamente isolados pela água dificultam a entrega de ajuda humanitária aos sobreviventes. O Exército está retirando moradores de aldeias isoladas, e muitas escolas transformaram-se em precários campos de refugiados. Organizações internacionais enfrentam, além da dificuldade em distribuir água potável, alimentos, utensílios e remédios, a iminência da proliferação de doenças como diarreia e cólera. Vastas áreas do país estão sem energia.

O avanço das águas do Rio Indo rumo à cidade de Hyderabad ¿ a sexta maior do país, com 1,6 milhão de habitantes ¿ fez autoridades evacuarem moradores. Para muitos, a tragédia é ainda maior com a chegada do mês sagrado do Ramadã, quando os muçulmanos observam um rigoroso jejum entre o nascer e o pôr do sol.

¿ Nós vamos jejuar, mas não sei como quebraremos o jejum, se vamos ter alguma comida. Só Alá sabe ¿ conformou-se Nusrat Shah, refugiada sob uma ponte em Sukkur.

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