Título: Esqueceram a Turquia
Autor:
Fonte: O Globo, 12/08/2010, Opinião, p. 7

LEONARDO TREVISAN

Na recente 39ª Cúpula de ministros e presidentes do Mercosul foi assinado um acordo de livre comércio com o Egito, sem dúvida uma curiosa escolha. As negociações foram longas, desde 2004, e o objetivo é que em dez anos o comércio entre o bloco latino e o governo do Cairo zere as tarifas alfandegárias. O chanceler brasileiro, Celso Amorim, afirmou que outros países árabes estão interessados em acordo semelhante, fazendo questão de especificar: ¿Como a Jordânia e a Síria.¿ É difícil compreender essa opção do Itamaraty. Por exemplo: a Turquia, com potencial econômico bem maior que o egípcio, que também negocia acordo bilateral com o Mercosul desde 2005, não foi mencionada. Afinal, a projeção geopolítica turca no mundo árabe é, hoje, bem mais significativa do que a do Egito. Sem esquecer, obviamente, que a diplomacia brasileira dividiu os riscos com a chancelaria turca de patrocinar um acordo sobre a questão nuclear iraniana. Será que esse complexo patrocínio já foi esquecido?

O empresariado turco entendeu a aproximação brasileira de outro modo. Por exemplo: falando em Istambul, Aykut Eken, coordenador da Câmara de Comércio Brasil-Turquia, estimou que a corrente de comércio entre os dois países pode triplicar em dois anos, alcançando US$5 bilhões, se acordo de livre comércio for assinado. Em 2009, essa corrente alcançou US$1,9 bilhão. E para os turcos há muito negócio a ser feito, nos setores de autopeças, construção civil e commodities. O perfil da pauta de exportação do Brasil para a Turquia é promissor. Em exposição na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a expansão dessa pauta ficou mais clara: nos quatro primeiros meses deste ano, as vendas para o mercado turco cresceram 81%, e 58% dessas vendas correspondem a produtos industrializados. O mercado interno turco vive forte expansão ¿ o país cresceu 11,4% no primeiro trimestre deste ano. Aliás, Aykut Eken também disse que a Turquia poderá ser plataforma de exportação de produtos brasileiros para os países da Ásia Central, Oriente Médio e, principalmente, ¿porta de entrada¿ para a Europa.

Em junho, as exportações turcas cresceram 13% em relação ao ano anterior. Iraque, Irã e Rússia, por exemplo, são consumidores de biscoitos, carros e TVs de fabricação turca. No Irã, empresas turcas construíram fábricas de fertilizantes. No Iraque, o grupo turco Acarsan ganhou em junho uma concorrência para construir cinco hospitais. Porém, Aykut Eken tem razão quando fala em ¿porta de entrada¿: 46% das exportações turcas vão para a União Europeia, 9,6% delas para a Alemanha (representam US$10,2 bilhões), 6,1% para a França, 5,8% para o Reino Unido, 5,7% para a Itália. Para os EUA seguem 3,2% das vendas turcas; para o Irã, 2%; para a Síria, 1,4%; já para o Iraque seguem 5,1% dessas vendas.

Empresas brasileiras não esperaram acordos bilaterais para se integrar ao boom da economia turca. O setor mais forte dessa economia é construção civil. Só com a Rússia, empresas turcas têm um estoque de contratos assinados de US$26 bilhões, em especial para as obras da Olimpíada de Inverno, em 2014, na cidade de Sóchi. As empreiteiras turcas estão em todo o Norte da África e na Ásia Central. O embaixador brasileiro na Turquia, Marcelo Jardim, em entrevista concedida em Istambul, contou que a construtora Odebrecht está associada à empreiteira turca na construção do aeroporto de Trípoli, na Líbia. Outras empresas brasileiras, inclusive do agronegócio, tomaram o mesmo caminho. Como sempre, a Petrobras tem a fatia maior: associada com a estatal turca de petróleo mantém plataformas a 300km da costa no Mar Negro, com base na cidade de Sinop, um investimento de US$400 milhões.

A economia egípcia vive boa fase, mas como mostrou matéria da ¿The Economist¿ (edição de 17 de julho) acumula mais problemas do que soluções. E está bem longe do dinamismo e da projeção que tem a economia turca. Vistas dessa forma, certas escolhas do Itamaraty são mesmo difíceis de compreender. Por que a Turquia interessa como parceira para lidar com o Irã e não interessa para aumentar os negócios? Afinal, não foi o ministro Celso Amorim quem disse que ¿negócios são negócios¿? Nesse caso, a Turquia não seria mais ¿negócio¿ do que o Egito para o primeiro acordo bilateral de comércio do Mercosul com o mundo árabe?

LEONARDO TREVISAN é jornalista. E-mail: lntrevisan@pucsp.br.