Título: Espero que Lula insista por Sakineh
Autor: Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 13/08/2010, O Mundo, p. 29

ENTREVISTA Azar Nafisi

Azar Nafisi é uma mulher sorridente, mas seu rosto muda quando fala sobre o Caso Sakineh. Envolvida na campanha para salvá-la, a escritora iraniana destaca o fato de o assunto ter atraído atenção e de mudar a forma como o mundo vê os iranianos. O Irã, como a África do Sul, entrou no imaginário coletivo, disse, no Rio. Autora de Lendo Lolita em Teerã e O que eu não contei (Editora Record), ela sabe que seus livros são levados para o Irã, xerocados e lidos em grupo... mais ou menos como fazia o grupo de alunas que descreveu no primeiro livro.

Cristina Azevedo

O GLOBO: Por que esse caso atraiu tanta atenção, já que não é algo propriamente novo no Irã? AZAR NAFISI: Desde o início (da Revolução Islâmica), quando começaram a implementar leis contra a mulher, houve protestos. Milhares foram às ruas. No Irã isso não é novo: é novo no mundo. Em parte porque até o ano passado as principais imagens que saíam do país eram as que o governo determinava. (Mahmoud) Ahmadinejad estava em todos os lugares. Então houve as eleições e milhões de pessoas foram às ruas. Isso mostrou ao mundo que os iranianos eram diferentes do que diziam. Que são contra a tirania. Havia jovens como a que foi morta, Neda, havia as de chador, e estavam lado a lado. O mundo, pelo Twitter e pela mídia pôde ver uma imagem diferente. E disse para si mesmo: Estas pessoas são como nós.

Não é a cultura deles. Quando Sakineh surgiu, já estavam prontos, se identificaram com os iranianos. O Irã, como a África do Sul (no apartheid), entrou no imaginário.Neda e Sakineh se tornaram símbolos de diferentes tipos de opressão.

Que semelhanças a senhora vê? NAFISI: A determinação de como uma mulher deve se vestir, de acordo com o que o governo estabelece, é a mesma mentalidade que deseja controlar Sakineh. Não tolera outras vozes.

Quando as pessoas dizem que isso é cultural ou que é islâmico, quero lembrar a eles que Sakineh é muçulmana; vem de uma família tradicional. Que Islã vamos aceitar: o Islã de Sakineh ou o de Ahmadinejad? Não faz parte do Islã de Sakineh matar. Sakineh e Neda eram diferentes, de gerações diferentes, mas queriam liberdade.

O Brasil se ofereceu para receber Sakineh.

Há algo mais que o presidente Lula possa fazer? NAFISI: Foi muito importante o presidente Lula dizer que nenhum homem tem o direito de tirar a vida. Espero que insista, porque o regime iraniano não quer perder sua amizade.

Eles chamam Obama de inimigo, mas não chamam Lula assim. E se tanto inimigos quanto amigos dizem não façam isso, e se o regime iraniano for em frente e matar Sakineh, espero que o presidente Lula mostre o seu descontentamento, de uma forma clara.

O Irã tem aparecido muito na mídia devido aos protestos, ao programa nuclear. Como isso ajuda o povo? NAFISI: Numa entrevista ao Guardian, Sakineh agradeceu à comunidade internacional. Vivi no Irã por 18 anos. E quando se vive lá, a gente se sente muito só. Saber que outras pessoas estão pensando em você, estão lhe dando voz, dá mais coragem.

Como uma transformação no Irã poderia acontecer? NAFISI: A transformação mais importante não se refere à nova geração, mas aos que faziam parte da república islâmica e que agora dizem que querem ser livres, e são elas que estão indo para a cadeia. Acho que não é importante mudar apenas o regime. O importante é mudar as mentes. Uma vez que elas mudam, nenhum regime ruim pode continuar indefinidamente.

É isso que me dá esperanças.