Título: Quase um plebiscito
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 28/06/2009, Mundo, p. 24

Disputa para a renovação de metade da Câmara dos Deputados e de um terço do Senado se transforma em debate sobre o futuro da presidenta Cristina Kirchner.

Os argentinos têm nas mãos, hoje, a chance de dar um voto de confiança ou de descrédito ao governo da presidenta Cristina Kirchner. Os eleitores vão às urnas para renovar metade da Câmara de Deputados e um terço do Senado. Ambas as casas estão dominadas pelos aliados do governo, os peronistas do Partido Justicialista (PJ). As pesquisas de opinião demonstram que, na província de Buenos Aires, a disputa ficará entre os peronistas no atual governo (chapa com Nestor Kirchner e o atual governador, Daniel Scioli) e os peronistas dissidentes (o empresário Francisco de Narvaez e Felipe Solá). ¿Não vai mudar nada, porque como todos os candidatos principais são peronistas, divididos em diferentes correntes, amanhã vão colocar-se de acordo e haverá uma falsa oposição¿, lamenta, por telefone, o administrador de empresas argentino Mathías Herranz.

Seis empresas de consultoria ¿ CEOP, Analogias, Ibarômetro, Equis, Ricardo Rouvier e OA ¿ calcularam a vitória para a chapa Kirchner-Scioli com uma vantagem de 5% a 8% sobre Narváez-Solá. Por outro lado, a empresa Poliarquía, contratada para fazer uma pesquisa para o jornal La Nación, indica que Narváez leva vantagem de 2,5% sobre Kirchner.

Para o economista argentino Agustín Trombetta, Kirchner transformou estas eleições em, mais do que a ¿simples renovação do Congresso¿, um plebiscito que poderia reforçar o poder da presidenta. ¿O problema é que, se ele perder, vai ficar sem nada¿, diz Trombetta, lembrando que Cristina vive seu período de maior rejeição popular ¿ tem hoje o apoio de apenas um terço dos argentinos.

O sociólogo argentino Raúl Bernal-Meza também avalia que a consulta popular é de fundamental importância para Cristina, uma vez que definirá as forças (personalidades políticas e alianças) que competirão nas próximas eleições presidenciais. ¿Podem ser um freio para a maneira de fazer política dos Kirchner: seu pouco respeito pela institucionalidade e seu desprezo pelas formas de convivência democrática devido ao autoritarismo¿, afirmou Bernal-Meza ao Correio.

Fachada No jogo político na Argentina, os eleitores ainda têm que pesar outro ingrediente na hora de decidir os votos: as candidaturas de fachada, lá chamadas de ¿testemunhais¿. São candidatos que se apresentam para conseguir votos para o partido, mas não planejam assumir o cargo. ¿Néstor não tem um cargo executivo, é presidente do PJ, e entre as sombras governa; Scioli é governador da província de Buenos Aires, está claro que se ganhar não vai assumir¿, avalia Mathías. Bernal-Meza ressalta que os kirchneristas declararam ¿intenção de assumir¿ perante um tribunal. ¿Mas todo mundo sabe que é mentira. O que acontece é que o juiz federal com competência eleitoral deu apoio aos Kirchner¿, revela o sociólogo.

O curioso é que as candidaturas de fachada não devem pesar negativamente para os peronistas oficialistas. ¿Muita gente vota com o coração, com a mística do peronismo dos anos 1950. Lembram que Eva Perón presenteou sua família com uma máquina de costura e insistem em votar pelo partido¿, explica Mathías, que qualifica a existência de candidaturas testemunhais de ¿uma vergonha¿.

Resultados Bernal-Meza avalia que a Argentina terá um congresso bastante dividido a partir de amanhã, e que Cristina deverá governar seus últimos dois anos com minorias ¿ o que a obrigará a negociar permanentemente. O melhor cenário para a presidenta seria que as duas facções peronistas se unissem. ¿Se a oposição se mantiver unida, dominará ambas as câmaras. Mas também é possível que os dois setores do peronismo, Kirchner de uma parte e Narváez de outra, se unam sob uma condução desse último¿, observa o especialista.

E eu com isso?

As eleições legislativas na Argentina não devem produzir muitas mudanças na vida dos brasileiros. ¿Os candidatos coincidem em relação à aliança com o Brasil¿, afirma o sociólogo argentino Raúl Bernal-Meza. O Brasil é atualmente o principal parceiro comercial da Argentina (correspondeu a 34% das importações e 17% das exportações dos hermanos em 2008) e interessa a todos os partidos manter boas relações com nosso país. ¿Temos que subir ao trem do progresso, aproveitar que temos um sócio potente, que vai `pra frente¿, que tem um otimismo que nos tem faltado¿, avaliou nessa semana, referindo-se ao Brasil, o prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri, em um comício na província de Misiones para apoiar os candidatos da oposicionistas União-Pro.

¿Grifes¿ de ambos os lados

Os principais candidatos a deputado na província de Buenos Aires

Néstor Kirchner (Frente Justicialista para a Vitória): o ex-presidente tem 59 anos e nasceu em Río Gallegos (província de Santa Cruz). Formou-se em direito pela Universidade de La Plata, em 1976, e se filiou à Juventud Peronista (JP). Em 1991, foi eleito governador da província natal, cargo para o qual foi reeleito em 1995 e 1999. Em 25 de maio de 2003, assumiu como presidente da República. No fim do mandato, impulsionou a candidatura da esposa, a atual presidenta Cristina Kirchner. É atualmente presidente do partido.

Francisco De Narváez (União PRO): nasceu na Colômbia, em 22 de setembro de 1953. Desde cedo, começou a trabalhar na rede de supermercados Tía, fundada por seu avô. Em 1989, assumiu como diretor da empresa, cargo que ocupou por 10 anos, até a rede ser vendida. Em 2002, começou a administrar o centro de convenções de Buenos Aires, La Rural. Depois de apoiar Carlos Menem em 2003, foi eleito deputado, em 2005, pela Província de Buenos Aires. Em 2007, obteve mais de 1 milhão de votos nas eleições para governador. Tenta renovar o mandato que termina em dezembro.

Margarita Stolbizer (Acordo Cívico e Social ¿ União Cívica Radical/UCR, Coalizão Cívica e o Partido Socialista): nasceu em Morón, em março de 1955, e se formou em direito. Em 2004, foi a primeira mulher na história do radicalismo (corrente política local) que ganhou as primárias para concorrer à província de Buenos Aires e foi candidata à governadora duas vezes. Ficou em segundo lugar nas últimas eleições, aliada com Elisa Carrió.

Fernando ¿Pino¿ Solanas (Projeto Sul): nasceu em 1936. Estudou teatro, música e direito. Em 1962, começou a carreira como cineasta. Ao longo de 50 anos, o político e cineasta ligou a atividade artística à militância política. Escreveu inúmeros artigos sobre cinema, cultura e política na Argentina, América Latina e Europa. Desde 2006, é professor da Universidade Nacional de San Martín (UNSAM). Recebeu condecorações dos governos da Itália e França e a máxima distinção cultural cubana, a ordem Félix Varela.