Título: Esta é a hora de deter a dengue
Autor:
Fonte: O Globo, 13/08/2010, Opinião, p. 6

Há dois anos, a Secretaria de Saúde fluminense previa que a entrada do vírus 4 da dengue no país seria uma questão de tempo, pela rota do queijo suíço da fronteira do Brasil, em Roraima, com a Venezuela. Por ali, 35 mil pessoas circulam a cada mês entre os dois países.

Essa variação do vírus, conhecida como DEN 4, já é detectada há dez anos no Caribe, manifestando-se com índices particularmente preocupantes no país vizinho. Quando ele aparecer, com a quantidade de mosquitos que temos, a possibilidade de uma epidemia será real, advertia-se.

O alerta emitido no início da semana pelo governo federal às secretarias de Saúde do país, sobre evidências do retorno do vírus de tipo 4 da dengue ao Brasil, é forte sinal de que aquele pessimismo estaria para se justificar.

De quatro pacientes da doença suspeitos de contaminação por vírus soropositivo 4 registrados recentemente em Boa Vista, capital de Roraima, três casos foram confirmados por testes laboratoriais. Outras 19 notificações permanecem sob suspeita.

Embora considere prematuro afirmar que a confirmação dos casos configure que o vírus já esteja se propagando em níveis preocupantes a partir daquela região, o coordenador do Programa Nacional de Controle da Dengue, Giovanni Coelho, alerta para o risco que a possível chegada do DEN 4 representa. Há, potencialmente, o perigo de uma grande epidemia atingir o país, uma vez que a grande maioria da população nunca teve contato com o vírus, e portanto não desenvolveu imunidade a ele. O último registro dessa variação de soropositivo ocorreu há 28 anos. A estimativa é a de que cem milhões de brasileiros sejam suscetíveis de contaminação.

Junte-se a isso a possibilidade de o vírus de tipo 2 também virar uma ameaça real, uma vez que o último grande ciclo de contaminação por essa variante se deu há 20 anos. Jovens e crianças dentro dessa faixa etária não entraram em contato com o mosquito transmissor, e, logo, não estão imunes. Há ainda que se considerar que o país desenvolveu manifestações geograficamente anômalas da doença como a chegada da dengue ao frio do Rio Grande do Sul e à Região Serrana do Rio de Janeiro.

Alertas como o emitido pelo Ministério da Saúde não devem ser entendidos como convite ao pânico, mas precisam ser recebidos com a seriedade que o quadro exige. Este é o momento em que medidas de prevenção devem começar a ser implementadas. A dengue, uma doença predominantemente sazonal, ganha força com a aproximação do verão. Até lá, é imperioso que o poder público desenvolva ações integradas entre todas as instâncias de governo para conter as contaminações. Embora pareça óbvio, tal receituário nem sempre é seguido nos movimentos oficiais contra a doença ou, pelo menos, é implementado com falhas na articulação entre os organismos.

Nesse programa comum, também a população precisa cumprir a sua parte, evitando comportamentos que estimulem a proliferação do mosquito, uma preocupação pertinente em razão de dados como o que dá conta de que 91% das pessoas conhecem a dengue, 96% recordam de campanhas contra a doença, mas 55% acham que, como o vizinho não faz nada, também eles nada devem fazer.