Título: Irã adia confirmação da sentença de Sakineh
Autor: Magalhães-Ruether, Graça
Fonte: O Globo, 15/08/2010, O Mundo, p. 41

Advogado diz que Suprema Corte manobra para ganhar tempo, à espera de uma decisão do governo, até sábado

COM CARTAZES e pedras, uma mulher faz protesto solitário em Berlim: ela pede que Sakineh seja resgatada

BERLIM. A Suprema Corte do Irã adiou por mais uma semana a confirmação da sentença de Sakineh Mohammadi Ashtiani, de 43 anos, condenada à morte por adultério e homicídio. Pouco depois de um encontro com representantes da Justiça em Teerã, Hotan Kian, o novo advogado de Sakineh, confirmou ontem o adiamento. Segundo ele, é uma manobra da Justiça para ganhar tempo, até que seja anunciada a decisão superior a respeito da execução.

Kian informou que a Justiça exigiu os documentos originais de uma queixa que Sakineh apresentou às autoridades antes da morte do marido. Na ação, na vara de família de Tabriz, Sakineh teria afirmado que não conseguia mais ¿viver com este homem¿. Kian disse que a corte já tinha o documento, ¿mas o pediu de novo, para ganhar tempo¿. No próximo sábado, ele deverá comparecer novamente à Suprema Corte, em Teerã, à espera de uma resposta sobre o destino de sua cliente.

Oficialmente, os representantes da Justiça alegaram que a data está ilegível na cópia do pedido de separação feito por Sakineh. Kian afirmou também que não sabia qual significado esse documento poderia ter na confirmação ou não da pena capital dela. Diretora do Comitê Internacional contra a Pena de Morte e o Apedrejamento, a médica Mina Ahadi, ativista de direitos humanos que vive na Alemanha desde o início dos anos 90, resume numa frase os motivos para as dúvidas do advogado:

¿ As mulheres no Irã não têm o direito de pedir divórcio.

A viagem de Tabriz a Teerã dura sete horas de ônibus. Mas Kian recebeu uma passagem de avião, financiada pela própria Justiça, o que ele interpreta como um aumento da importância do caso para o Irã, onde o Judiciário é criticado pela falta de independência.

Kian assumiu a defesa depois que Mohammad Mostafael, o primeiro advogado da ré, fugiu para Europa, dizendo ter sido intimidado por representantes da Justiça. No encontro de ontem, contudo, o clima foi cordial, segundo Kian. Ele disse que pela primeira vez não ouviu acusações contra a sua cliente, nem ofensas.

Pena de morte pode ser cumprida em uma semana

O advogado afirma que a confissão de adultério e participação no assassinato do marido feita por Sakineh na última quarta-feira foi obtida sob tortura. Desde então, Kian passa os dias apreensivo, preocupado com a possibilidade de uma iminente execução de Sakineh.

Sexta-feira à tarde, Saijad, de 22 anos; e Saide, de 17 anos, filhos de Sakineh, tiveram mais uma vez a permissão para visitar a mãe. Depois, Saijad telefonou para Mina Ahadi e contou que a mãe está sob forte pressão. Ela mal conseguia falar, disse o filho na conversa com Mina. A família Ashtiani temia que o pior ¿ a execução ¿ acontecesse ontem.

Mas o clima positivo registrado ontem pelo advogado e por organizações de direitos humanos que lutam contra a pena de morte para a iraniana não muda muito a situação dela.

¿ Como antes, a pena pode ser cumprida dentro de uma semana ¿ advertiu Mina.

Para ela, as declarações do embaixador do Irã em Brasília, negando que o governo brasileiro tenha oferecido asilo político para a iraniana, comprovam a arbitrariedade do regime islâmico do seu país.

¿ O governo brasileiro agora sabe com quem negociou em Teerã, com um governo que mente sobre qualquer coisa, que manda apedrejar e executar inocentes, que faz o que quer sem levar em consideração o que disse antes ¿ acusou.

Mina considera governos e empresas estrangeiras que negociam com a ditadura islâmica coautores dos crimes contra os direitos humanos praticados em seu país.