Título: Trabalho em alta rotatividade
Autor: Oswald, Vivian
Fonte: O Globo, 15/08/2010, Economia, p. 33

Entre os empregados sem carteira, 62,82% trocaram de posição nos últimos 12 meses

BRASÍLIA

O mesmo crescimento econômico que turbinou o mercado de trabalho nos últimos meses revelou uma de suas maiores mazelas: a alta rotatividade do emprego no Brasil. E é justamente nos tempos de bonança que se torna mais aparente o fenômeno. A mobilidade é tanta que 62,82% dos trabalhadores sem carteira assinada mudaram de posição em um período de apenas 12 meses, segundo estudo inédito do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV). Os trabalhadores por conta própria cuja atividade é, na maior parte das vezes, precária vêm em seguida, com rotatividade de 31,85%. Apesar do vínculo e dos benefícios, os funcionários com carteira assinada demonstram um pouco mais de estabilidade no emprego, mas, ainda assim, apresentam taxa considerada acima do aceitável: 17,47%.

A taxa de rotatividade significa o percentual de trabalhadores que muda de ocupação. Por exemplo, de um emprego com carteira para outra vaga formal, para um emprego público, para uma posição autônoma e até mesmo para a aposentadoria.

O Brasil tem uma das maiores taxas de rotatividade do mundo. A relação entre a empresa e o trabalhador pode ser comparada a um casamento.

Ambos são mais fugazes hoje. Mas se é de papel passado (com carteira) tem mais estabilidade disse o economista Marcelo Neri, responsável pelo estudo, que compara a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE de janeiro a abril deste ano com o mesmo período de 2009 e acompanha o mesmo grupo de trabalhadores por 12 meses.

O problema é unanimidade: a alta rotatividade é preocupante.

Mas não há um diagnóstico certeiro. O professor da Universidade de Campinas (Unicamp) Dario Krein atribui a movimentação exagerada do mercado em geral às facilidades do empregador de demitir e admitir funcionários sempre que julgue necessário para cortar custos ou investir em novas tecnologias.

Há um movimento de troca, por exemplo, durante campanhas salariais.

A empresa dá o aumento, mas depois corta os salários mais altos e contrata gente por menos. O reajuste fica é diluído conta o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sergio Nobre.

Empresário não tem incentivo para investir em treinamento O professor José Marcio Camargo, da PUC-Rio, aposta no que chama de enormes incentivos para que os trabalhadores sejam demitidos quando o mercado está aquecido. Isso é mais frequente entre os menos qualificados e alimenta a enorme desigualdade entre as posições e salários na economia.

Segundo Camargo, quem está no mesmo emprego há pelo menos um ano levanta até dois salários entre FGTS, seguro-desemprego e aviso prévio.

O empresário sabe e não se sente incentivado a investir em treinamento porque perderá o funcionário mais cedo ou mais tarde diz.

Para Neri, porém, os motivos da rotatividade não são de todo ruins. A mudança pode favorecer o trabalhador, como é o caso de Juliana Nonato Arruda, de 18 anos, que acaba de ser contratada por um laboratório de radiologia em Brasília.

Recebi uma proposta de salário de R$ 200 a mais, fora o vale refeição, que também é mais alto. Eu gostava muito de onde estava, mas não pude recusar comemora.

Trabalhador mais qualificado troca menos de emprego Esse é um fenômeno que vem sendo identificado com o aquecimento da economia. Não resta dúvida de que há mais vagas de trabalho. Mas isso não quer dizer que os postos sejam sempre melhores. Dos 17,47% dos trabalhadores com carteira que migraram em 12 meses, 3,77 pontos percentuais passaram para a informalidade, 3,48, para a categoria desocupados que inclui desempregados e aqueles que desistem de buscar emprego e 4,78, para inativos.

O Ministério do Trabalho usa números diferentes para a mobilidade, montados com outras metodologia e base de dados. Segundo o responsável pelo Departamento de Emprego e Salários da pasta, Rodolfo Toreli, a taxa de rotatividade média mensal no Brasil chegou a 3,76% em 2009, que ele considera alta.

É preciso avaliar até que ponto isso é ruim. O crescimento econômico também cria novas oportunidades.

Mas é verdade que essa taxa em excesso preocupa um pouco. Não há explicação simples disse Toreli, segundo o qual a pasta encomendou ao Dieese um estudo para traçar uma radiografia do mercado.

O fato é que a situação dos trabalhadores mais qualificados é diferente. A tendência é que se mantenham em seus empregos. A rotatividade entre os trabalhadores com carteira cai de 17,47% para 12,56% quando eles têm 12 ou mais anos de estudo. Quanto mais tempo ficarem na mesma empresa, maiores as chances de ascender e ganhar mais.

Entre os menos qualificados, pode até haver mudanças de salários.

Mas as suas posições não os permitem evoluir disse Neri.

Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, caiu a mobilidade no setor depois que foram instalados núcleos do sindicato em 96 empresas que respondem por 85% dos trabalhadores.

Mas Nobre afirma que acaba de ser criado um grupo técnico para tratar dos setores de autopeças e máquinas, que têm taxa de rotatividade de cerca de 20%.

É injustificado. Nem em momento de crise é normal taxas como essa.

Deveria haver mecanismo de incentivo para as empresas com menor rotatividade.

Poderia ser carga tributária menor sugeriu o sindicalista.

O economista da Confederação Nacional da Indústria (CNI) Marcelo de Ávila disse que o emprego na indústria sofreu um terremoto com a crise, mas já está se recuperando e os salários não estão mais caindo. Ele reconhece que o mercado é melhor para o funcionário mais qualificado: Uma mão lava a outra. Quanto mais qualificado, mais incentivo a empresa tem de mantê-lo, cobrir outras propostas e investir em treinamento.