Título: A juventude rejeitada no mercado de trabalho
Autor: Alencastro, Catarina
Fonte: O Globo, 16/08/2010, O País, p. 4

Há quatro anos em busca de emprego, Camila é o retrato da dificuldade dos jovens nas regiões metropolitanas

BRASÍLIA. Há quatro anos procurando emprego, a estudante Camila Reis Pinheiro, de 19 anos, contabiliza ao menos dez tentativas frustradas. Com pouquíssima experiência profissional - o único trabalho que teve foi cobrindo férias por dois meses em uma padaria - Camila já entregou seu currículo em várias lojas, sem nunca ter sido aprovada na seleção. Ela conta que, normalmente, são poucas vagas e muitos candidatos. Raramente recebe explicações sobre os motivos de ser rejeitada. A jovem diz que o fato de ser moradora de Samambaia, cidade-satélite a cerca de 30 km de Brasília, atrapalha um pouco, já que empregadores temem que ela não consiga cumprir o horário exigido. No fundo, acredita ser vítima de preconceito, por morar em um bairro pobre.

O drama de Camila é vivido por milhares de jovens em todo o país. Nas regiões metropolitanas, quem tem até 24 anos sofre com os maiores índices de desemprego em relação às demais faixas etárias. Ainda que, ao longo dos anos, o número de desocupados venha caindo de forma sustentada, em 2007, segundo o Dieese, 63,4% dos jovens de até 17 anos estavam desempregados no Distrito Federal. Em Salvador, o percentual era de 51,8%; e em São Paulo, de 48,3%. Entre os jovens de 18 a 24 anos, 30,9% estavam sem emprego no DF; 37,9%, em Salvador; e 24,5%, em São Paulo. Naquele mesmo ano, a taxa média de desemprego foi de 9,7%, segundo o IBGE.

Loja pede fotos para contratar

Sem saber exatamente que características são desejáveis para conquistar a vaga de vendedora, Camila afirma que alguns locais exigem que a candidata seja bonita, bem-vestida e tenha noções de etiqueta. Em uma das lojas que tentou, e que faz parte do roteiro das patricinhas de Brasília, além do currículo, pediram que ela enviasse também uma foto. Depois de cumprir mais este requisito, ela foi informada de que a fotografia não estava boa e sugeriram que ela enviasse outra, o que ela também fez, mas nunca foi procurada para assumir a vaga que havia sido aberta.

- Tem loja que quer gente perfeita de corpo e de rosto. Tem lugar que é muito exigente, só gosta de quem se veste bem. Quando você chega para entregar o currículo, os funcionários te olham dos pés à cabeça. Veem o jeito que você anda, como fala e como se expressa - diz, reclamando que nunca teve chance de fazer um curso para aprender a ser chique.

De uma família de cinco filhos, na casa de Camila quem trabalha é a mãe, empregada doméstica, e o padrasto, gari noturno. A mãe, Maria Magna, arruma casas e cozinha desde os 12 anos de idade. Ela estudou até a 6ª série do ensino fundamental e admite dificuldades para ler e escrever. Os estudos tiveram de ser abandonados porque Maria precisou ajudar a família, que morava no interior do Maranhão, a se manter. Mais tarde, ela migrou para Brasília atrás de uma renda melhor. O marido, Florêncio Reis Souza, teve que largar a escola ainda mais cedo: só chegou à 1ª série do ensino fundamental.

A mãe de Camila diz que encoraja a filha a se sair melhor que ela. Mas reconhece que ainda há um longo caminho até vê-la realizar o sonho de ser advogada.

- De vez em quando, ela faz uma faxina para ganhar um dinheirinho. Mas não é essa a vida que quer. Ela vê que é uma rotina muito dura, muito cansativa. Vai porque não tem outra opção - conta.

Enquanto sua sorte não muda, Camila continua entregando seu magro currículo em lojas, lanchonetes e farmácias quando abrem vagas. Ela torce para começar a trabalhar e "deixar de depender da mãe para tudo", além de poder ajudar no sustento da família.

A jovem reconhece que uma boa educação é chave na conquista de uma carreira, e arrisca-se a dizer que quem estuda em uma escola particular, cujo ensino geralmente é de melhor qualidade, tem mais chances de ganhar um posto de trabalho do que ela.

- É muito difícil para o jovem que não tem dinheiro conseguir um emprego. Tem lugar que é muito exigente - queixa-se. - Nem sempre é o emprego que você quer, que você gosta. Mas eles (os empregadores) sempre querem uma coisa que você não tem. Acho que as pessoas podiam dar uma oportunidade, uma chance para ver do que a gente é capaz - resume.

Para Ipea, falta qualificação

Camila Pinheiro diz que gostaria de fazer cursos técnicos de administração, informática e inglês, mas tudo o que conseguiu foi uma aula gratuita de informática, ministrada durante um final de semana, em uma creche próxima à sua casa.

Na escola, a maioria dos colegas também está sem emprego, conta Camila. Uns, por falta de oportunidade e outros, porque não se interessam pelos baixos salários oferecidos a iniciantes.

Em um comunicado datado de março, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelou que dos 24,8 milhões de trabalhadores disponíveis, 22,2% não possuem qualificação de acordo com os níveis considerados necessários pela demanda existente. O Ipea sugere que o governo amplie as políticas para incluir os jovens no mercado de trabalho. "Cabe ao Estado elaborar e executar uma estratégia de inserção desses trabalhadores, em curto, médio e longo prazos, vinculada a políticas educacionais de formação técnica - que, apesar de terem sido impulsionadas nos últimos anos, ainda não são satisfatórias".