Título: Cidadãos integrados
Autor:
Fonte: O Globo, 16/08/2010, Opinião, p. 6

CLÁUDIO DA ROCHA SANTOS

A típicas ou não, as chuvas que castigaram a Região Metropolitana foram apenas mais um dos dramas no cotidiano de quem sobrevive marginalizado nas favelas e em loteamentos irregulares. Muitos querem nos fazer crer que essas últimas tragédias encontram suficiente diagnóstico nos aspectos geográficos da cidade ou nas tênues previsões climáticas ¿ quando, na realidade, o foco das tragédias cariocas sempre se dá, inevitavelmente, no campo político.

Assim, evidenciam-se a ineficiência e o descaso do poder público que, incapaz de prever tais fenômenos e deles nos resguardar, também é ineficiente no dever de nos garantir direitos básicos. As cidades chegaram ao colapso graças ao misto de omissão e conveniência das autoridades, cada vez mais distantes do foco estratégico e míopes para uma visão futura de cidades planejadas, integradas e sustentáveis.

Há mais de trinta anos, a Pastoral das Favelas atua para a concepção e o planejamento de políticas públicas responsáveis que propiciem o adequado planejamento urbano, a proteção ao meio ambiente e a integração entre cidades e cidadãos com mais segurança e menos desigualdade.

No entanto, espaços legítimos de participação popular, como sindicatos, associações de moradores e conselhos de direitos, quando não cooptados, são asfixiados e negligenciados pelo próprio poder público no exercício do direito à cidade ou quando exigem as metas e a transparência no orçamento público.

As relações de poder revelam a subserviência da classe política aos ditames da especulação imobiliária e do grande capital para a flexibilização das legislações ambientais e urbanísticas, em troca de ricas campanhas eleitorais. Os demagogos acusam-se, mas seus DNAs políticos são iguais. E, assim, o tráfico e as milícias, as fortes chuvas e as áreas de risco dão no que dão.

Em maior ou menor grau, conhecemos nossos problemas e demandas, mas sequer somos consultados sobre as prioridades nos gastos em obras absurdas como a Cidade da Música, ou ainda se desejaríamos que o Rio fosse sede da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Volta e meia assistimos a tragédias e ouvimos que não há recursos suficientes para solucioná-las. O problema é que nossos gestores ainda não removeram sua arrogância e seu autoritarismo para criar ambientes que integrem ideias e interesses, considerando todos os pontos de vista.

Quanto mais rica for essa relação, maiores serão os níveis de coerência, coesão e adesão ao debate do planejamento estratégico de nossas cidades. O mais importante é elevar o nível de confiança mútua e de engajamento. Os governantes têm que se ver como usuários do sistema público ¿ e mais, têm que se perceber como aquele cidadão, na maioria das vezes pobre e desinformado, que vai necessitar daquele serviço público específico. Sem isso, não há comprometimento verdadeiro em aprimorar as instâncias do poder público para melhor servir ao cidadão.

CLÁUDIO DA ROCHA SANTOS é membro da Pastoral das Favelas.