Título: Lucro que vem das salas de aula
Autor: Novo, Aguinaldo
Fonte: O Globo, 16/08/2010, Economia, p. 19

Setor privado de educação brasileiro atrai investidores estrangeiros e já registra um total de operações de aquisição de R$1,9 bilhão

NILSON CURTI, diretor do SEB: ¿Percebemos que a entrada de um sócio estratégico seria importante para enfrentar o aumento esperado da concorrência¿

Os investidores espicharam os olhos para o setor privado de educação no Brasil. Em pouco mais de um ano, só o mercado de sistemas de ensino (que consiste na produção de metodologia pedagógica e apostilas para venda a escolas públicas e privadas) registrou cinco operações de venda, três delas nos últimos 30 dias. Somadas, representaram um investimento superior a R$1,9 bilhão. No maior desses negócios, a inglesa Pearson (dona do jornal ¿Financial Times¿ e da revista ¿The Economist¿) pagou R$888 milhões para assumir a gráfica e a distribuição de materiais didáticos do Sistema Educacional Brasileiro (SEB).

Esse movimento não deve parar tão cedo. A Kroton Educacional, que já tem 50% do seu capital nas mãos do fundo financeiro internacional Advent, anunciou na quarta-feira passada que estuda novas associações e, eventualmente, a venda de uma ou mais unidades de ensino do grupo. Os donos da Estácio de Sá, com quase 215 mil alunos e forte presença no Rio, também procuram compradores para suas ações. João Uchôa Cavalcanti Neto e sua filha, Monique Uchôa Cavalcanti de Vasconcelos, vão vender na Bolsa de Valores os 41,7% que detêm do capital da empresa.

¿ Todo mundo está namorando todo mundo ¿ confirma o consultor Marcos Antonio Boscolo, sócio da KPMG.

O mercado brasileiro de ensino está entre os dez maiores do mundo, com movimento estimado entre R$53 bilhões e R$55 bilhões por ano. Este valor considera apenas as mensalidades no ensino privado (básico e superior) e também o giro do mercado editorial (que engloba desde a venda de livros didáticos à produção dos sistemas de ensino). Estão fora da conta os desembolsos do governo na rede pública.

Aumento da renda da população puxa segmento

Em grande parte, a consolidação do setor reflete a confiança dos investidores brasileiros e estrangeiros no aumento da renda média da população e da demanda por mão de obra qualificada nos próximos anos no país. Outro ponto de atração, explica Boscolo, é a ainda a baixa taxa de ocupação de universidades e cursos. Em 2008 (último dado consolidado), as faculdades privadas ganharam 1,198 milhão de novos pagantes, para um total de 2,641 milhões de vagas oferecidas.

¿ Seria possível dobrar o número de alunos sem a necessidade de investimentos em estrutura física ¿ diz ele.

O processo de consolidação teve início em 2006, quando a americana Laureate Education (gigante que atua em 15 países e fatura quase US$650 milhões por ano) arrematou o grupo Anhembi-Morumbi. Depois disso, a GP Investimentos comprou 20% da Estácio de Sá. No mercado de sistemas de ensino, dos seis primeiros colocados no ranking, três já têm participação estrangeira: o fundo de investimento Advent na Kroton, a inglesa Pearson no SEB e a espanhola Santillana na Moderna. Os outros três grupos nacionais são Positivo, Objetivo e Abril Educação (que em julho comprou a rede Anglo).

¿ Nossa situação financeira era confortável, com capital para novos investimentos. Mas percebemos que a entrada de um sócio estratégico seria importante para enfrentar o aumento esperado da concorrência ¿ diz o diretor-superintendente do SEB, Nilson Curti, em referência à operação fechada com a Pearson.

O namoro entre os dois grupos começou em 2007, antes mesmo da abertura de capital do grupo brasileiro (em outubro daquele ano). Curti diz que, desta vez, houve ¿uma convergência de interesses¿ para o fechamento do negócio. Enquanto a Pearson administrará as operações de sistema de ensino, os antigos controladores do SEB manterão o controle das escolas.

¿ Já temos planos de adquirir, ainda neste ano, unidades de ensino básico no Rio, Recife e Porto Alegre ¿ adianta Curti, que também admite interesse nas operações da Estácio de Sá: ¿ Tudo faz sentido neste momento, nada se descarta.

O principal foco dos investidores neste momento parece ser o de sistemas de ensino. A estimativa é que existam pelo menos 40 pequenas empresas no país que se dedicam à produção de material pedagógico próprio para venda, que em tese passarão a ser alvo das novas apostas dos investidores.

O presidente da consultoria Hoper Educação, Ryon Braga, explica que esse interesse vem da municipalização do ensino no país. Com a mudança, as editoras tradicionais que dependem do programa do livro didático do governo federal se viram ameaçadas pelas metodologias particulares. Braga estima que a utilização desses sistemas alcance hoje 35% das escolas privadas e pouco mais de 4% dos municípios que administram sua rede pública de ensino.

¿ Não é que os livros didáticos deixaram de ser bons. Mas, ao optar pelas metodologias particulares, as prefeituras acabam comprando um pacote completo, que combina o material de estudo e a orientação de professores e diretores de escolas. Isso tira a responsabilidade das costas das prefeituras ¿ diz ele.

Sua previsão é que a penetração dos sistemas de ensino chegue a 42%, nos próximos três anos, na rede privada. No caso das escolas públicas, Braga fala em um índice de crescimento de ¿pelo menos três vezes¿ no mesmo período.