Título: Sakineh é pretexto, diz Irã
Autor: Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 18/08/2010, O Mundo, p. 36

Teerã rejeita oferta de Lula, e denuncia "complô do Ocidente" para azedar relação com Brasília

PROTESTOS CONTRA os Estados Unidos e Israel marcam sermão das orações do Ramadã na Universidade de Teerã: governo diz não tolerar interferências estrangeiras

Não bastasse a recusa oficial do presidente Mahmoud Ahmadinejad em enviar ao Brasil a iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani - condenada à morte por adultério e suposto assassinato de seu marido - Teerã mandou ontem outro recado claro ao Ocidente: não vai tolerar a interferência de país algum no caso. Segundo o porta-voz da Chancelaria do Irã, Ramin Mehmanparast, a ampla mobilização internacional pela vida da mulher não passa de "um complô irracional com objetivos políticos". Numa coletiva semanal com a imprensa persa, Mehmanparast destacou ainda que o caso é "um mero alvoroço para abalar as relações bilaterais Brasil-Irã".

- Nenhum país independente pode consentir interferências em seus negócios internos - afirmou Mehmanparast. - Se as autoridades brasileiras fossem mais bem informadas, perceberiam que há um complô para criar problemas entre as estreitas relações entre Irã, Brasil e Turquia. São levantadas certas questões para tentar colocar um país contra o outro.

Mehmanparast destacou também que há uma "inquietação" no Ocidente diante da aproximação entre os três países - sobretudo após os esforços diplomáticos de Brasília e Ancara para superar o impasse internacional quanto aos rumos do programa nuclear iraniano. O porta-voz acrescentou, ainda, que o temor diante dessa nova aliança levou os países a optarem por medidas apressadas - como a aprovação de novas sanções a Teerã e até mesmo ao ataque israelense a um barco turco que tentava romper o bloqueio imposto à Faixa de Gaza.

Amorim: "Há apelo, não interferência"

Em Brasília, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, reagiu às declarações vindas de Teerã, negando que o Brasil tivesse a intenção de interferir no caso. Ele assegurou que o governo brasileiro respeita e sempre respeitou a soberania iraniana.

- A mim, nunca falaram em interferência - disse o ministro. - As autoridades iranianas reagiram de forma respeitosa às declarações do presidente Lula. Não vi ressentimento e não vejo mal-estar no episódio. É claro que preferimos que haja uma solução e isso já foi dito várias vezes.

Amorim voltou a insistir no fato de que o caso da iraniana "tocou na sensibilidade das pessoas no mundo inteiro" e, sem entrar em detalhes sobre o teor das acusações apresentadas contra Sakineh, o chanceler destacou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez a proposta de dar asilo à condenada em função das boas relações que mantém com Ahmadinejad.

- O apelo de uma pessoa com quem você tem relações amistosas tem mais chances de ser bem-sucedido - explicou Amorim, após reunir-se com o chanceler chileno, Alfredo Moreno.

Sakineh, de 43 anos, aguarda o desfecho de sua sentença de morte numa prisão iraniana em Tabriz. Inicialmente condenada por adultério em 2006, pesa ainda contra ela a acusação de envolvimento no assassinato de seu marido. O caso ganhou enorme repercussão internacional quando seu ex-advogado, Mohamad Mostafei, contou num blog na internet o drama vivido por Sakineh, mãe de dois filhos. A sentença está sendo reavaliada pela Justiça do Irã, e um parecer definitivo deve ser emitido somente após o mês sagrado do Ramadã, que termina no próximo dia 9 de setembro. Especula-se que a condenação ao apedrejamento seja substituída por enforcamento.

Na terça-feira, o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, havia feito seu primeiro comentário público sobre a mulher - e negou a oferta brasileira de asilo a Sakineh.

Ahmadinejad defende Pyongyang

Ontem, o presidente se absteve de comentar o caso, mas adotou um discurso semelhante ao do porta-voz de seu governo. Após receber as novas credenciais dos embaixadores de Coreia do Norte e Irlanda em Teerã, Ahmadinejad insinuou que os Estados Unidos "tentam plantar a semente da discórdia entre as nações".

- A restauração da paz e da segurança global só tem sido possível graças à resistência de algumas nações à arrogância - declarou Ahmadinejad, aconselhando os EUA "a não adotarem medidas provocativas". - É nossa incumbência exercer a vigilância para lidar com a arrogância.

No tom desafiador que caracteriza seus discursos, o líder iraniano destacou o apoio incondicional de seu governo ao criticado programa nuclear desenvolvido pelo governo comunista da Coreia do Norte, comparável, segundo ele ao iraniano pela "finalidade pacífica".

- O céu é o limite para as relações entre Teerã e Pyongyang.

Com agências internacionais