Título: Ajuda lenta causa saques no Paquistão
Autor:
Fonte: O Globo, 18/08/2010, O Mundo, p. 36

Ordem no país é ameaçada por conta da precariedade de socorro às vítimas

SOBREVIVENTES RECEBEM comida num campo no sul do Paquistão

ISLAMABAD. Desesperadas e sem poder contar com a assistência das Forças Armadas ¿ sobrecarregadas pela magnitude das enchentes que cobrem um quinto do Paquistão ¿ multidões de vítimas da tragédia cercaram e saquearam ontem caminhões com ajuda humanitária. Enquanto isso, autoridades alertavam para o risco de fome generalizada, caso o socorro não chegue a tempo aos agricultores afetados pelas chuvas. O lento trabalho de assistência às 20 milhões de pessoas atingidas pelas enchentes vem provocando protestos.

Entre os sobreviventes, relatos de abandono à própria sorte são comuns. Um morador do sul da província do Punjab conta que se refugiou com mais 50 pessoas durante dias no teto de uma casa.

¿ Nós chamamos o Exército, mas ninguém nos ouve ¿ desesperou-se.

Jamshaid Dasti, um membro do Parlamento, disse que a ordem no país está ameaçada pela precariedade de socorro às vítimas.

¿ As pessoas estão saqueando comida dos caminhões porque têm fome e não há um sistema que funcione. A lei e a ordem não vão bem, e vão piorar.

O presidente Asif Ali Zardari se defendeu das acusações e negou que seu governo esteja se omitindo.

¿ Sim, a situação poderia ser melhor. Mas temos que prosseguir sem nos importarmos com críticas ¿ disse.

Segundo a ONU, devido à falta de assistência, o país pode se confrontar com uma segunda onda de mortes causadas por doenças e fome. O porta-voz da organização no Paquistão, Maurizio Giuliano, alertou que apenas um terço dos US$460 milhões em doações internacionais pedidos para ajuda emergencial já está disponível. Ele disse temer que o mundo não tenha compreendido a real dimensão da tragédia porque, ao contrário de um terremoto, no qual a destruição é feita em segundos, as enchentes demoram mais tempo para fazer sentir seus efeitos.

¿ Mas a ajuda humanitária de que precisamos é maior do que no Haiti ¿ disse o porta-voz, que estima que 8 milhões de pessoas no país precisariam de assistência imediata.

Segundo Giuliano, se não houver uma melhor gestão do acesso à água potável, à comida e à prevenção de doenças, a situação pode sair ainda mais do controle.

¿ Houve uma primeira onda de mortes causada pelas enchentes, cerca de 1.600 vítimas. Mas se não agirmos rapidamente, haverá uma segunda onda, causada pela ausência de água limpa e de comida ¿ disse.

O Banco Mundial anunciou que destinaria US$900 milhões para reconstruir o Paquistão. A economia do país também está ameaçada, visto que as chuvas inundaram suas regiões mais férteis. O preço de artigos frescos já dobrou, e economistas temem um cenário pior se agricultores perderem a estação do plantio.