Título: Plano maior que os presidentes
Autor: Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 02/07/2009, Economia, p. 22

Os dirigentes que o país teve desde 1994 respeitaram e fortaleceram as conquistas do Real

Contrariando a tradição brasileira, a alternância de poder fez bem ao Plano Real. Os três presidentes da República que passaram pelo Palácio do Planalto ¿ desde o lançamento da nova moeda ¿ imprimiram seus próprios ritmos, estabeleceram marcos e inovaram. Tudo sem comprometer as linhas originais do maior programa de estabilização econômica já implantado no país. Nos últimos 15 anos, ideologias e bandeiras cederam espaço a uma inédita combinação de continuidade com pragmatismo. Itamar Franco, o primeiro dos presidentes do Real, ousou ao apostar em um projeto gestado essencialmente por técnicos e ao nomear auxiliares sem pedigree político. Com a inflação sob controle, criou-se o clima de confiança necessário para encorajar o mercado e as empresas e as instituições democráticas a se reorganizarem. ¿A alta de preços sempre foi endêmica. Havia uma enorme incerteza porque todos os outros projetos tentaram fazer a mesma coisa, mas fracassaram. A grande virtude do Itamar foi ter escolhido as pessoas certas¿, explica o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília (UnB).

O sucessor de Franco, Fernando Henrique Cardoso, tomou posse com a difícil missão de manter as conquistas do antecessor. Considerado um dos maestros do Real, FHC inaugurou durante seu primeiro mandato (1995-1998) a fase monetarista do plano, dando prosseguimento à venda de grandes companhias estatais iniciada na era Fernando Collor, estimulando a reforma da burocracia pública federal e tentando ampliar o espectro do projeto colocado em prática no início da década.

Com o Estado mais enxuto, FHC marcou seu segundo período (1999-2002) como o presidente que se especializou em conduzir o país em meio a crises econômicas internacionais (Rússia, México e Asiática). Além disso, concentrou forças na reforma do Estado, estabeleceu políticas agressivas de contenção dos gastos públicos, criou a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e o sistema de metas de inflação. No campo macroeconômico, o fim da paridade entre o dólar e a moeda nacional impôs dificuldades que nem mesmo os ¿pais do Real¿ poderiam prever. Apesar das turbulências, o plano manteve-se de pé, até a chegada do PT e de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006).

Ao contrário do que sempre pregou, Lula não só manteve a espinha dorsal da política econômica do governo anterior como aprofundou muitos dos conceitos fiscais e monetários preconizados por FHC e seus discípulos. Aumento de juros, maior economia para o pagamento da dívida e tentativas de reformas estruturais imprimiram no petista a marca de um gestor responsável e preocupado com o futuro do país. ¿Isso provou que o conceito de estabilidade é suprapartidário¿, completa Nogueira.

Na segunda fase como presidente (2007), Lula surfou em seu próprio prestigio e também na onda de prosperidade que varreu o mundo. Resultado: o Brasil virou credor externo, acumulou divisas, aumentou o número de parceiros comerciais, baixou os juros, distribuiu melhor a renda. Nem o recente estouro da bolha imobiliária americana, foi capaz de arranhar o Real. A inflação continuou sob rédeas curtas, o que garantiu um belo escudo ao Brasil em meio ao colapso dos mercados.

Desafios Para o historiador Marco Antônio Villa, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a tarefa agora é descobrir como estimular o país a crescer sem ferir os mandamentos do Plano Real. ¿Acho que esse desafio vai se colocar claramente nas eleições presidenciais de 2010, ou seja, como conciliar estabilização e desenvolvimento com um projeto nacional¿, justifica. Segundo Villa, o país não só aprendeu a valorizar os avanços alcançados com o plano de 1994, como não abre mão de novas conquistas.

Leia íntegra da série de reportagens sobre os 15 anos do Plano Real

O legado de cada um Marcelo Sant´Anna/EM - 24/5/06

ITAMAR

Controle da inflação Reorganização do Estado Transparência na gestão pública Garantia de estabilidade para as instituições democráticas

Iano Andrade/CB/D.A Press - 16/8/06

FHC

Privatizações Reformas administrativa e burocrática Contenção dos gastos públicos Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) Fim da paridade entre o dólar e a moeda nacional Sistema de metas de inflação

Cadu Gomes/CB/D.A Press - 4/5/09

LULA

Choque de juros para combater a inflação assim que assumiu o governo Manutenção da política econômica anterior Ampliação do comércio exterior Acúmulo de divisas internacionais Melhor distribuição de renda e queda dos juros