Título: Bases do equívoco diante do Irã
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Fonte: O Globo, 18/08/2010, Opinião, p. 6

O colunista Thomas L. Friedman, do "New York Times", observou certa vez que um dos problemas do Oriente Médio é que a maior parte dos muçulmanos não se pronuncia contra os radicalismos que proliferam na região: é uma maioria silenciosa. Num artigo mais recente, ele citou o jornalista israelense Shlomi Eldar, autor do documentário "Precious life" - sobre esperança e dor que se entrecruzam no conflito entre Israel e os palestinos. Eldar também fala de uma maioria silenciosa de israelenses, que "tem compaixão pelas pessoas". No Irã há também uma maioria, não silenciosa, mas silenciada.

O mundo está na expectativa de mais uma dessas barbaridades no Oriente Médio: o iminente apedrejamento até a morte da iraniana Sakineh Ashtiani, por suposto crime de adultério, acusação trocada por envolvimento na morte do marido. Em outra nação infeliz, o Afeganistão, tresloucados talibãs levaram um casal à morte por lapidação. No caso de Sakineh, a comunidade internacional tenta dissuadir o Irã de levar adiante a sentença de um tribunal que aplica a lei islâmica. Contudo, o poder de pressão do Ocidente é limitado devido ao contencioso com o Irã motivado pela farsa montada a respeito de seu programa nuclear, notoriamente voltado para a construção de armas nucleares. Os formuladores da política externa do Brasil decidiram pôr o país num rumo diferenciado, jogando um papel arriscado de aproximação com o Irã baseado na capacidade do presidente Lula de fazer amigos e influenciar pessoas. O presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, é "muy amigo" de Lula. O Irã fez do Brasil gato e sapato - tanto na tentativa brasileira de obter um acordo de última hora que evitasse a quarta rodada de sanções àquele país por conta de seu programa nuclear, quanto na questão de Sakineh, em que Lula atuou atabalhoadamente durante todo o tempo e foi considerado, com certo grau de desprezo, como de bom coração, mas "mal informado".

A posição diferenciada que o Brasil adotou em relação ao Irã tem sua origem num certo relativismo que tende a não rejeitar situações absolutamente inaceitáveis, como uma ditadura teocrática que mata opositores no Irã, uma ditadura comunista que mata dissidentes em Cuba, ou uma ditadura bolivariana travestida de democracia na Venezuela. A posição brasileira, e de outros países amigos do Irã, se apoia também na defesa de um multiculturalismo em nome do qual se aceitam atos que ofendem a dignidade das pessoas, contrariando a Carta dos Direitos Humanos da ONU, de 1948. É dessa raiz que surgem ações como a criação de cotas raciais (em universidades, por exemplo), quando a ciência já rejeitou o conceito de raça. Ou a manipulação de interesses indígenas por grupos de pressão com objetivos diversos dos nacionais. Acabam sendo armadilhas.

A política externa de um país deve ter por base princípios humanitários, democráticos e de justiça social consagrados pela comunidade internacional séria. A do Brasil deixa de levar isto em conta quando evita condenar frontalmente barbaridades cometidas por governos "companheiros" e se deixa enganar pela visão do politicamente correto. E nem se pode falar em pragmatismo, pois nada ganha em troca.