Título: Mesquita e Broadway
Autor:
Fonte: O Globo, 18/08/2010, Opinião, p. 7
THOMAS L. FRIEDMAN
Dentre as razões por que não sou contra a construção de uma mesquita perto de onde ficavam as Torres Gêmeas, em Nova York, a principal é minha afeição pelos musicais da Broadway.
Há algumas semanas, o presidente Obama e sua mulher promoveram o que chamaram de ¿Uma celebração da Broadway: apresentação na Casa Branca¿, um concerto no Salão Leste com alguns dos maiores nomes da Broadway, cantando alguns de seus grandes sucessos. Eu estava lá porque minha mulher integra o conselho da TV pública que organizou o evento, mas tudo o que podia pensar era: como eu gostaria que todo o país também estivesse.
Não foram só as apresentações de Audra McDonald, Nathan Lane, Idina Menzel, Elaine Stritch, Karen Olivo, Tonya Pinkins, Brian d¿Arcy James, Marvin Hamlisch e Chad Kimball, ou os rodopios dos estudantes do Joy of Motion Dance Center e da Duke Ellington School of the Arts em ¿You Can`t Stop the Beat¿ ¿ mas a grande e rica mistura. Cantores afro-americanos e dançarinos hispano-americanos interpretando canções de compositores judeus e irlandeses, acompanhados por músicos brancos cujos tataravós vieram no Mayflower ¿ todos se apresentando para o primeiro presidente negro cujo nome do meio é Hussein.
Sentir a energia dessa apresentação foi como uma recordação vívida da mais importante vantagem competitiva dos EUA: a pura energia criativa que emana da mistura de povos e culturas. Vivemos numa era em que o ativo mais valioso de qualquer economia é a capacidade de ser criativa ¿ para imaginar novas ideias, sejam elas musicais da Broadway, grandes livros, iPads ou novas drogas contra o câncer. E de onde vem a criatividade?
Gosto da maneira como a ¿Newsweek¿ descreveu-o em recente artigo: ¿Ser criativo requer pensamento divergente (gerando ideias exclusivas) e convergente (combinando essas ideias para dar o melhor resultado).¿
E de onde vem o pensamento divergente? Vem da exposição a ideias, culturas, povos e disciplinas intelectuais divergentes. Marc Tucker, presidente do National Center on Education and the Economy, disse-me: ¿Uma das coisas que sabemos sobre criatividade é que ela ocorre quando pessoas que dominam duas ou mais áreas diferentes usam a moldura de uma para pensar de forma criativa sobre a outra. Leonardo da Vinci foi um grande artista, cientista e inventor, e cada especialidade alimentava a outra. Mas se você passar a vida toda num silo, não terá o conhecimento ou a agilidade mental para fazer a síntese e ligar os pontos, que é geralmente onde a próxima ruptura acontece.¿
O que me leva de volta à mesquita. O ¿New York Times¿ informou que o imã Feisal Abdul Rauf, o líder muçulmano por trás do projeto, afirmou desejar que o centro ajude a ¿construir pontes e curar feridas¿ entre os muçulmanos e outros grupos religiosos. ¿Nós condenamos as ações do 11/9¿, lembrou.
Eu respeito muito os sentimentos daqueles que perderam entes queridos no 11/9 ¿ perpetrado em nome do Islã ¿ e que se opõem ao projeto. Pessoalmente, se tivesse US$100 milhões para construir uma mesquita e promover a tolerância religiosa não a construiria em Manhattan. Eu o faria na Arábia Saudita ou no Paquistão. Foi de lá que veio o 11/9, e aqueles são os países que adotam a versão mais puritana do Islã sunita ¿ pouco tolerante não só diante de outras religiões como de outros ramos do Islã, particularmente xiita, sufi e ahmadyya. Você pode estudar o Islã em qualquer universidade americana, mas não pode nem pensar em construir uma igrejinha na Arábia Saudita.
Essa resistência à diversidade é algo que não queremos estimular, razão pela qual me alegro que a construção da mesquita tenha sido aprovada. Países que se fecham a culturas, fés e ideias diferentes nunca inventarão o próximo Google ou a cura do câncer.
Quando dizemos ao mundo: ¿Sim, somos um país que tolera até uma mesquita próxima ao local do 11/9¿, enviamos uma mensagem poderosa de inclusão e abertura. Mas nunca se sabe quem a está ouvindo e dizendo: ¿Que país formidável! Eu quero viver nesse lugar, mesmo que tenha que construir um barco usando papelão de caixas de leite.¿ Enquanto isto acontecer, Silicon Valley será Silicon Valley, Hollywood será Hollywood, a Broadway será a Broadway e os EUA, se algum dia consertamos nossa política e nossas escolas, estará OK.
THOMAS L. FRIEDMAN é jornalista. © The New York Times