Título: Ultimato aos golpistas
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 02/07/2009, Mundo, p. 26

Organização dos Estados Americanos dá 72 horas para que Manuel Zelaya seja reconduzido à presidência.

O presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, planeja desembarcar de volta a seu país e reassumir o governo amparado por uma resolução unânime da Organização dos Estados Americanos (OEA) que dá 72 horas de prazo ao governo de fato do país para reconduzir ao cargo o titular constitucional. ¿Vou retornar a Honduras e sou o presidente¿, proclamou Zelaya na sede da organização, onde assistiu a mais uma vitória em sua campanha para impedir o reconhecimento do governo provisório instalado no país sob a chefia do presidente do Congresso, Roberto Micheletti, que promete prender o rival por desacato à Justiça.

Em aparente resposta a Micheletti e aos líderes militares ¿ estes falaram até em ¿executar¿ o mandatário deposto ¿, Zelaya afirmou que ¿o povo os julgará¿. Na véspera, ele havia anunciado seu regresso para hoje, na companha do secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, e dos presidentes Hugo Chávez (Venezuela), Cristina Kirchner (Argentina) e Rafael Correa (Equador). Satisfeito com o respaldo unânime do continente, o presidente hondurenho decidiu aguardar o vencimento do prazo antes de viajar.

O chanceler do novo governo hondurenho, Enrique Ortez Colindres, falou em tom mais conciliador que o presidente de fato: disse que Zelaya pode voltar ao país ¿como cidadão comum¿, mas insistiu que ele não reassumirá o governo. Em entrevista exclusiva ao Correio (leia abaixo), Ortez fez uma interpretação própria do teor da resolução aprovada pela OEA. ¿Em vez de se precipitarem, como fizeram anteriormente ao julgar Honduras sem nos ouvir,corrigiram o procedimento e formaram uma comissão (com representantes) de quatro países que chegarão hoje (ontem) e farão contato com o governo Micheletti, para comprovar os fatos que aconteceram.¿

Rechaçado A rejeição internacional maciça a Micheletti tem se desdobrado dia após dia em novas iniciativas, culminando ontem com a firme resolução da OEA, tomada por unanimidade ao fim de cinco horas de reunião. Os países-membros ¿ todos os do continente, menos Cuba ¿ condenam ¿energicamente¿ a deposição e deportação de Zelaya pelos militares hondurenhos e a instalação de um novo governo. O texto exige a recondução ¿imediata, segura e incondicional¿ do mandatário deposto, a quem qualifica como ¿presidente constitucional de Honduras¿.

Discursando na abertura da reunião de cúpula da União Africana, na Líbia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reafirmou seu rechaço ao golpe e pediu que o organismo também não reconheça o governo de fato liderado por Micheletti. O governo brasileiro, que se pronunciou em termos duros imediatamente após a deposição de Zelaya, no domingo, já havia instruído seu embaixador em Tegucigalpa a não retornar ao posto antes que a legalidade seja restabelecida. Todos os acordos firmados com Honduras, inclusive a cooperação triangular(1) com os Estados Unidos para produção de biocombustíveis, foram congelados. Medidas semelhantes foram tomadas pelos países do Sistema de Integração Centro-Americana (Sica) e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), além do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial.

1- PROGRAMA PILOTO Honduras é um dos países incluídos nos programas piloto de promoção dos biocombustíveis na América Central e Caribe no âmbito de um acordo de cooperação triangular firmado em 2007 pelo presidente Lula com o então colega norte-americano, George W. Bush. O conceito básico é partir da capacidade instalada da indústria açucareira nos países beneficiados e adaptar a ela a tecnologia brasileira de produção de etanol a partir da cana. Os EUA, que produzem álcool combustível a partir do milho, participam com financiamento. Brasília e Washington apostam na multiplicação dos países fornecedores para conseguir, a médio prazo, a padronização dos biocombustíveis e sua aceitação como commodity pelo mercado internacional.

Entrevista enrique ortez colindres ¿Não precisamos ser reconhecidos¿

O advogado Enrique Ortez Colindres foi nomeado Ministro de Relações Exteriores do governo de fato instalado em Honduras após a deposição de Manuel Zelaya. Ortez escreveu vários livros sobre integração centro-americana, foi presidente do Banco Centro-Americano de Integração Econômica (BCIE) e assessor do presidente deposto. Ele contou ao Correio por que se distanciou de Zelaya, ressaltou que ¿não houve golpe de Estado¿ em Honduras e que o país ¿tem presidente¿.

O novo governo espera que Micheletti seja confirmado internacionalmente como presidente? Micheletti é o presidente e não estamos esperando que venham a confirmá-lo. O povo hondurenho já o escolheu. O que nós vamos comprovar é o cumprimento da lei. Ele é presidente com OEA ou sem OEA. Aqui não houve golpe de Estado, aqui se respeita a Constituição e todo o ordenamento jurídico.

Micheletti vai fazer uma campanha internacional para explicar o que aconteceu? Não é campanha. O presidente da República vai expressar hoje a posição oficial em rede de televisão, de forma coerente, transparente, à comunidade internacional e às embaixadas. Preparamos e enviamos informações para todas as embaixadas.

Como receberam declarações como a do presidente Lula, que diz que não vai reconhecer outro governo senão o de Zelaya? Todo país é livre para se pronunciar segundo os critérios que lhe correspondam, assim como é livre para defender-se, formar parte, e buscar os amigos ou retirar-se. A única coisa que vamos fazer é aplicar a reciprocidade: os que não quiserem ter relações com Honduras, tampouco Honduras vai querer ter relações com eles.

Como é assumir como chanceler sabendo que há rechaço internacional? Tenho 50 anos de atividade profissional. Aqui há um pessoa que assumiu o governo. Então, sinto uma honra enorme de trabalhar para o povo hondurenho.

E como vê a possibilidade de que Honduras não receba mais empréstimos do Sistema de Integração Centro-americana? Fui presidente do Banco Centro-americano de Integração Econômica (BCIE) por três períodos, e (sei que) isso eles não podem fazer. O BCIE não pode expulsar nem suspender a um país-membro. Não é possível juridicamente que se suspendam os empréstimos para Honduras. Além disso, temos a sede e garantimos o funcionamento (do banco).

Diz-se que as consultas públicas que Zelaya queria fazer eram ilegais. Por quê? As consultas só podem ser feitas por um organismo eleitoral, sob a competência autônoma da Justiça Eleitoral. Mas o pior que eles fizeram foi mudar no Diário Oficial o caráter da consulta, que já não era uma consulta técnica: ela já constituía o poder para convocar a Assembleia Constituinte.

Qual a sua opinião sobre a relação de Zelaya com a Aliança Bolivariana para as Américas (Alba)? A Alba, da qual sabiamente o presidente Lula não toma parte, é um pacto econômico, social e militar. Os membros têm de se apoiar militarmente e recebem instruções de quem dá o dinheiro ¿ no caso, Hugo Chávez. Isso torna nosso país dependente dos petrodólares (venezuelanos). Temos evidências de que (Zelaya) recebeu um empréstimo de US$ 100 milhões e não lhe impuseram um controle, de maneira que não sabemos onde está esse dinheiro que o povo hondurenho terá de pagar. E com esse dinheiro estavam celebrando essas eleições espúrias da quarta urna. É uma forma disfarçada de prosperar em um sistema como o que tem Fidel Castro.

Zelaya foi eleito com o apoio do Partido Liberal, com uma propaganda neoliberal, e é empresário do setor agropecuário. De repente se volta para o ¿socialismo do século 21¿. Foi surpresa? Fui o assessor principal que levou Zelaya à presidência, e não foi surpresa para mim. Ele me disse dois antes de tomar posse que não acreditava na democracia na qual eu acreditava e que não ia terminar o mandato. Eu lhe perguntei por que, e ele me disse: ¿Porque vão me derrubar, porque vou atacar os Estados Unidos, as transnacionais e as oligarquias¿. Desde esse momento já trazia a ideia de unir-se ao grupo e à ideologia de Chávez, que não é outra coisa senão uma deformação do comunismo e do socialismo. Depois de ser liberal, ele se rodeou de um grupo de comunistas. ¿Governar é saber rodear-se¿, já dizia um ex-presidente de Guatemala, e Zelaya se rodeou de pessoas que lhe fizeram perder o poder. Ele me disse que Chávez ofereceu um plano de ação e solidariedade econômica, como facilidades de crédito na compra de petróleo. Então eu lhe disse que ia perder meu apoio, e me retirei.

Vai ser difícil explicar à comunidade internacional por que colocaram Zelaya em um avião e o mandaram para a Costa Rica¿ Pode ser. Mas no momento o perigo não se vê desde Washington, o perigo se vê na cara das pessoas com ânimo de matar, de uma turba enfurecida que já lhe tinha tirado do poder. Nós quisemos proteger a vida dele e a de sua mulher.

Zelaya não ficou como vítima? O que vai acontecer agora? Nós já temos um presidente eleito, como diz a Constituição, por unanimidade, então o que foi presidente poderá regressar já sem cargo, pois desacatou as ordens constitucionais. Este é um caso único na América Latina, que vai ser um precedente no qual o Exército sai (do quartel) para fazer com que a lei seja cumprida e defender a Constituição. Em outros lugares, o que os militares fazem é ficar com o poder.

E a notícia dos sequestros dos embaixadores da Venezuela, da Nicarágua e de Cuba? É absolutamente falso. Nenhum embaixador foi tocado e todos são protegidos pelas leis hondurenhas e pelas autoridades. Seria uma barbaridade, e eu mesmo renunciaria se o governo fizesse um ato como esse. (VV)

JURAMENTO Enrique Ortez Colindres (D) foi empossado pelo presidente de fato Roberto Micheletti na última segunda-feira, em breve cerimônia de juramento no Congresso, em Tegucigalpa. Na véspera, Micheletti tinha sido instalado como chefe do novo governo como presidente do Legislativo, nos termos do que a Constituição hondurenha prevê em caso de vacância do cargo.

Micheletti é presidente com ou sem a OEA. Aqui não houve golpe de Estado