Título: Um fedor olímpico
Autor: Motta, Cláudio; Schmidt, Selma
Fonte: O Globo, 18/08/2010, Rio, p. 19

Barra, que concentrará competições em 2016, sofre com o odor das lagoas

Metrô, corredores expressos de ônibus (BRTs), Túnel da Grota Funda: são muitas as intervenções que começam a transformar a Barra num canteiro de obras. Mas, a preocupação de moradores e ambientalistas é de que tanto trabalho possa morrer nas lagoas da região, que será sede dos principais equipamentos das Olimpíadas de 2016, se o complexo lagunar da Bacia de Jacarepaguá não for dragado. Desde domingo, quem passa próximo às lagoas da Tijuca e de Marapendi ou de seus canais têm, mais uma vez, que conviver com o cheiro de ovo podre. O vento forte e a ressaca revolveram o fundo desses cursos d"água, liberando gases malcheirosos, como o metano e o sulfídrico.

A secretária estadual do Ambiente, Marilene Ramos, lembra que a dragagem das lagoas de Barra e Jacarepaguá é um compromisso: consta do caderno de encargos das Olimpíadas. Em 60 dias, o órgão conclui estudo para implantar um projeto alternativo. Segundo a secretária, a dragagem tradicional seria inviável, por falta de local para depositar lodo retirado (quatro milhões de metros cúbicos) e pelo alto custo do serviço, R$320 milhões:

- Pelo projeto alternativo, usamos cavas existentes e abrimos novos buracos no fundo das lagoas. Separamos a areia, que pode ser aproveitada. Depositamos o material sem serventia nas cavas e recobrimos com um material arenoso. Parte do lodo também pode ser colocada em geobags (espécie de sacos) e depositada em terrenos da região, como foi feito no Canal do Cunha, no Fundão. Os geobags podem servir como aterro.

A secretária espera que o serviço comece em 2011, sendo executado em um ano. Parte da dragagem poderá ser custeada por construtores, que usariam a areia em obras.

Especialista recomenda cautela

Professor do Departamento de Ecologia da UFRJ, especialista em lagoas, Francisco Esteves desconhece experiências anteriores com cavas e acha cedo para avaliar os geobags. Ele alerta que qualquer dragagem exige cautela:

- O revolvimento do lodo libera gases estocados e pode provocar mortandade de organismo vivos. O melhor método, usado na Europa, é o de sucção. - observa - O primeiro passo é parar de lançar esgoto nas lagoas. No entanto, não há alternativa senão dragá-las.

Ontem à tarde, o cheiro de ovo podre era sentido já na Ponte da Joatinga. Em grande parte do Jardim Oceânico, e até em trechos da orla, o fedor se espalhava. O mesmo ocorria no entorno da Lagoa da Tijuca, da Avenida Ministro Ivan Lins ao BarraShopping. O problema foi tão intenso que a professora de pilates Maria Fernanda Gonçalves, que trabalha no BarraShopping, teve de adaptar sua aula, já que alguns alunos ficaram enjoados:

- O pilates trabalha com a respiração. O mau cheiro foi tão forte, que tive que fazer um pilates genérico. Em dez anos, nunca vi isso acontecer de forma tão grave. E não sei como serão os próximos dez anos, uma vez que essa região não para de crescer.

O engenheiro Paulo Araújo, que mora no condomínio Atlântico Sul, na Avenida Sernambetiba diz, que, mesmo no 15º andar, sente o mau cheiro:

- Conforme o vento, tenho que fechar portas e janelas - conta Araújo, que vive na Barra há 32 anos e conhece o bairro desde a década de 60:

- Recordo da Barra virgem. Era um Caribe, de águas transparentes.

Para o presidente da Cedae, Wagner Victer, a grande questão hoje é a dragagem das lagoas. Segundo ele, 70% das obras do programa de saneamento de Barra e Jacarepaguá estão prontas. O programa deve ser concluído em 18 meses, promete. Em função do crescimento da região, outras obras de saneamento estão previstas ou em andamento. Dentro de 90 dias, por exemplo, deve começar a construção de elevatória próxima à futura Vila Olímpica.

- Quando se sobrevoa o complexo lagunar da região, se vê ilhas de assoreamento. Isso faz com que a entrada e a saída de água das lagoas seja mais lenta. A dragagem oxigena a lagoa, permite um fluxo melhor da água - diz Victer.

Presidente da Associação de Moradores do Jardim Oceânico e do TijucaMar, Luiz Igrejas quer mais que a dragagem:

- Na Avenida Gilberto Amado, defendemos que o canal seja tapado, como foi feito na Rua Alda Garrido.

No Jardim Oceânico, a estudante Daniele de Souza Oliveira reclamou do mau cheiro na Avenida Olegário Maciel, na altura da Gilberto Amado:

- É muita negligência deixar isso acontecer, ainda mais numa área nobre, num bairro que concentrará as competições em 2016.

O oceanógrafo e morador da Barra David Zee chama atenção para outro problema provocado pela liberação de gás sulfídrico: a corrosão de objetos de prata, ferro e alumínio. Também para Zee, a dragagem das lagoas da região é uma emergência:

- De 70 a 80% da Lagoa da Tijuca estão assoreadas. Em média, a sua lâmina d"água tem de 20 a 30 centímetros.

O presidente da Câmara Comunitária da Barra, Delair Dumbrosck, reforça a importância de dragar e não deixar jogar esgoto nas lagoas:

- Com o emissário funcionando, as lagoas mostraram melhora. Mas é preciso dragar.

Já o presidente da Associação de Moradores do condomínio Rio 2 (com 3.600 apartamentos), Agostinho Teixeira, diz que, apesar de desta vez ter sido poupada, a Lagoa de Jacarepaguá enfrenta o mesmo problema:

- Temos que preparar a Barra para as Olimpíadas. Imagina os atletas sendo atacados por mosquitos e sentindo cheiro de ovo podre?

O editor Eduardo Teixeira, que trabalha numa produtora de cinema na Barra, diz que dá para sentir o mau cheiro na Avenida das Américas. Já o estudante Eduardo Silva, que mora no bairro, classifica o problema como crime ambiental:

- Esse cheiro é um atraso. As obras do metrô estão logo ali (apontando para o canteiro de obras, na Avenida Ministro Ivan Lins) e as Olimpíadas estão chegando, mas a gente tem que suportar este problema.

O mau cheiro atrapalha até restaurantes, conta João Paulo Pessoa, gerente do restaurante mexicano El Pallomar, às margens da Lagoa da Tijuca, no shopping Barra Point:

-- Os clientes reclamam e perdem o apetite.