Título: Brasil abre espaço entre gigantes
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 02/07/2009, Mundo, p. 27

Presidente discursa na cúpula continental e investe nos negócios: ¿jeitinho¿ enfrenta os dólares fartos de chineses e indianos

Presidente brasileiro fala aos líderes da União Africana: ¿Devemos escrever juntos nossa história e nosso futuro¿

¿Há um provérbio que diz: `Se não queres que os outros escrevam por ti, escreve tu próprio a tua história¿. Brasil e África devem escrever juntos a sua história e o seu futuro comum.¿ As palavras do presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a 13ª Cúpula da União Africana (UA), que reuniu ontem na Líbia os chefes de Estado do continente, podem soar como demagogia, mas realçam todo o esforço que vem sendo feito pelo Brasil nos últimos anos para ampliar cada vez mais suas relações com a África. Os interesses são políticos e, sobretudo, econômicos, já que o comércio bilateral chega hoje a quase US$ 27 bilhões, valor cinco vezes maior do que em 2002, antes de Lula assumir a Presidência.

Grande parte desse fluxo é garantido pela atuação de gigantes brasileiras, como a empreiteira Odebrecht e a mineradora Vale do Rio Doce, que têm investido em países como Angola e Moçambique. Só neste último, a Vale iniciou em março a construção de uma unidade de US$ 1,3 bilhão, que terá capacidade de produzir 11 milhões de toneladas de carvão por ano. A Petrobras, que atua na África desde a década de 1990, concentra atualmente os esforços de exploração na costa ocidental, em águas da Nigéria e de Angola. Recentemente, a empresa negociou a participação de 50% em um bloco exploratório na Namíbia. O interesse também é grande entre empresas de médio e pequeno porte, principalmente nos setores de serviços, construção, energia e agronegócio.

O movimento brasileiro de expansão dos negócios, no entanto, não é isolado. Nem pode ser considerado pioneiro. ¿Os chineses já começaram isso no final dos anos 1980, e o Brasil só nos últimos seis, sete anos. Hoje, acontece na África uma nova `partilha¿¿, afirma o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) José Flávio Saraiva, que destaca o continente como ¿a última fronteira de ocupação do capitalismo¿.

Economias emergentes de grande potencial, como China, Índia e Brasil, têm dedicado tempo e dinheiro aos países mais promissores na África ¿ o que despertou atenção até mesmo nos Estados Unidos. ¿Nos últimos anos, os europeus perderam espaço na África e os americanos, durante a era Bush, reduziram o continente a conflitos, falta de democracia ou terrorismo. O (Bill) Clinton tinha até tentado desenvolver uma agenda mais positiva, o que me parece uma vontade de Obama também¿, ressalta Saraiva.

Apesar de o Brasil apresentar um forte crescimento de sua presença na África, a comparação com os investimentos feitos pela China mostra uma competição desigual. ¿Os chineses têm muito mais financiamento. Se o Brasil entra com US$ 1 bilhão, US$ 2 bilhões nos projetos, os chineses entram com US$ 30 bilhões, US$ 40 bilhões¿, lembra o especialista. Os interesses dos dois países batem de frente principalmente quando estão envolvidos minerais, serviços e construção civil. A última grande ¿derrota¿ brasileira para os chineses foi na concorrência para a construção do aeroporto internacional de Angola.

Para saber mais ¿Revolução verde¿

Em seu discurso na abertura da 13ª Cúpula da União Africana, na Líbia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu a ¿revolução dos biocombustíveis¿ no continente, ressaltando o sucesso do Brasil com o etanol, produzido no país a partir da cana-de-açúcar. O líder líbio, Muamar Kadafi, anfitrião da cúpula, classificou as ideias de Lula para os biocombustíveis como ¿interessantes, na medida em que não prejudiquem a produção de alimentos¿.

Essa não foi a primeira vez que Lula propôs o desenvolvimento de combustíveis ¿limpos¿ no continente, mas o temor dos governos africanos é de que o acesso aos alimentos, já tão comprometido na região, fique ainda mais complicado. Para o professor da UnB José Flávio Saraiva, no entanto, a África tem condição de ¿ter um programa de energias limpas e renováveis no padrão do Brasil¿. Além da cana-de-açúcar, outras plantas, como a mamona, podem ser aproveitada na produção de combustíveis no continente.