Título: Alegria e esperança na volta do front para casa
Autor:
Fonte: O Globo, 20/08/2010, O Mundo, p. 38

Militares retornam aos EUA sob expectativa de encontrar parentes e de um futuro melhor para os iraquianos

SOLDADOS EMBARCAM para retornar aos Estados Unidos: saída de militares começou nos últimos dias

EMOÇÃO NA chegada ao Kuwait: jovens militares se despedem da guerra

BAGDÁ. O americano Clinton Clemens, de 26 anos, acabara de completar 18 anos quando chegou ao Iraque, em setembro de 2003. O medo estava estampado em seu rosto no momento em que atravessava a fronteira. Quinze minutos após entrar no país, teve seu primeiro contato com a guerra. Um ano depois, percebeu que o conflito estava longe do fim. O soldado Clemens é apenas um entre diversos militares americanos que serviram no Iraque mais de uma vez, presenciando a queda de um ditador e suas consequências, incluindo a ascensão de uma insurgência potente e letal que se estendeu mesmo após George W. Bush declarar, prematuramente, em 1º de maio de 2003 ¿Missão Cumprida¿.

¿ Isso é algo de que eu vou me orgulhar pelo resto da minha vida: o fato de que vim na operação inicial e agora estou partindo com as últimas unidades de combate ¿ disse o soldado Luke Dill, que, como Clemens, foi mandado pela primeira vez ao Iraque aos 18 anos, durante a invasão.

Expectativa após várias missões de combate

A maioria desses militares foi lançada na linha de frente de uma brutal guerra sectária, que finalmente mostra sinais de diminuição. Eles ajudaram a manter a segurança durante as eleições que geraram um sistema de governo mais próximo de uma oligarquia que uma democracia parlamentar.

O sargento Luke Hitchcock, de 26 anos, conta que seu primeiro combate ocorreu em sua terceira missão, quando estava baseado em Arab Jabour, uma área rural ao sudeste de Bagdá.

¿ Era uma área horrível. O meu pelotão sofreu seis baixas. Recebi uma condecoração durante esta missão ¿ relembrou o militar, que foi atingido por uma explosão numa estrada e ficou hospitalizado por um mês antes de retornar ao trabalho.

Sua quarta e última missão foi catártica, pois agora acredita que está deixando um país mais seguro, com um grande e eficiente exército.

¿ Acho que o fato de ficarmos uns anos extras para ajudar as forças iraquianas a controlarem seu país é importante ¿ disse o sargento Hitchcock. ¿ Isso nos ajuda a manter a cabeça erguida quando saímos, pois sabemos que fizemos a diferença.

Mas está claro que os soldados em retorno não deixam um país em paz. As brigadas acabaram deixando a região em grupos ¿ em vez de a maioria dos soldados sair de uma só vez ¿ porque isso permitiu a permanência mais longa da última força de combate, numa tentativa de diminuir os riscos de instabilidade política.

Comandantes passaram semanas estudando os perigos da viagem noturna de cerca de 670 quilômetros pelo sufocante e empoeirado deserto iraquiano. Bombas poderosas foram colocadas nas laterais das estradas, enquanto os xiitas intensificavam os ataques contra bases americanas no sul do país nas últimas semanas.

Como forma de precaução, o Exército exigiu que os jornalistas que acompanharam os soldados na viagem revelassem detalhes da saída somente após a manhã de ontem, quando o último grupo estava programado para cruzar a fronteira com o Kuwait.

Heróis de guerra mais próximos de casa

Os americanos estão longe de deixar o Iraque. O número de militares mortos, de acordo com o Pentágono, é de 4.415 até agora. Mas essa quantidade pode aumentar, visto que 50 mil soldados permanecerão no país. Apesar de o governo americano dizer que as forças iraquianas estão prontas para assumir o comando, os que ficam para sempre ¿ os iraquianos ¿ acreditam que rebeldes aproveitarão o momento de incerteza para retornar com força total. Muitos dos que voltam para os EUA concordam.

¿ Espero que coisas boas aconteçam. Mas acho que assim que sairmos as coisas vão desmoronar ¿ lamentou Clemens.

E mesmo diante de um pessimismo em relação ao futuro do país do qual se despedem, os soldados que retornam também têm motivo para comemorar.

¿ Nós colocamos nosso sangue, suor e lágrimas desde que chegamos aqui há 12 meses e nós sabemos que fizemos nosso trabalho, e nós sabemos que não será em vão, mas há muita animação aqui agora ¿ afirmou o especialista Don Lanpher, ao se preparar para a partida.

E quem fez parte dessa história de mais de sete anos também será lembrado. O chefe da brigada que partiu, coronel John Norris, qualificou seus militares de heróis.

¿ Como comandante, isso significa que todos os meus soldados estão seguros no Kuwait e se preparando para retornar para suas famílias.