Título: As lições da rua no lugar do dever de casa do colégio
Autor: Ribeiro, Efrém
Fonte: O Globo, 20/08/2010, O País, p. 18
Jovem do Piauí faz parte da taxa de evasão escolar do país, que passa dos 10% em algumas regiões
PEDRO PABLO joga videogame: o jovem abandonou o colégio por ser usuário de drogas, mas sonha em cursar ciências da computação, porque sempre gostou de computador
TERESINA. Há duas semanas, Pedro Pablo de Sousa comemorou seus 19 anos. Também completou o aniversário de uma data que não queria lembrar ¿ os quatro anos de abandono da Unidade Escolar Governador Freitas Neto, o Escolão da Piçarreira, escola de ensino fundamental onde estudou até a 7ª série.
Ele usa uma frase simples para justificar a evasão: ¿A rua me atraía mais do que a escola¿. Seu caso é um dos que alimentam a estatística de evasão escolar, um dos principais obstáculos do país para melhorar a qualidade da educação. No ensino fundamental, a taxa de evasão foi de 6,9% do total de alunos matriculados no país em 2005, diz o Inep. O pior índice foi o do Nordeste, com 8,9%, seguido do Norte, com 8,4%. No ensino médio, as taxas são ainda mais críticas: no país, o indicador foi de 10%; o Norte teve 11,2%, o Centro-Oeste, 10,5%; e o Nordeste, 9,5%.
Filho repete a história dos pais
Filho de uma dona de casa e de um pintor, que ganha R$800 por mês, Pedro Pablo ajudava na renda da família quando frequentava as aulas.
Ele não tem uma história tão diferente dos pais. A mãe deixou a escola quando tinha 16 anos: estava na antiga 7ª série e ficou grávida do pai dele ¿ que também deixou as salas de aula quando, com 18 anos e cursando a 6ª série, engravidou a namorada e foi obrigado a trabalhar.
Ao lembrar do tempo de colégio, o rapaz diz que as aulas não chamavam sua atenção.
¿ A professora só usava o quadro e falava. As aulas eram maçantes. Na hora da merenda, serviam frango na pura água. Não queriam saber como a merenda era feita, apenas que estava feita ¿ conta, lembrando que a escola foi reformada após ele ter saído. ¿ Eu estudava num tempo em que a escola era toda depredada.
Há quatro anos, o conjunto em que Pedro Pablo morava era cheio de bares, muitos de soldados e cabos da Polícia Militar. Agora, eles cederam espaço para as bocas de fumo. Até poucas semanas atrás, o jovem vivia com os pais em uma pequena casa com asfalto na porta e água encanada, mas sem rede de esgoto. Agora, teve de se mudar, para se esconder de traficantes.
Ele também está esperando vaga numa clínica de tratamento de dependentes químicos para tentar se livrar do vício do crack. O rapaz acha que a sua saída da escola está relacionada ao consumo de drogas, que para ele começou no muro do colégio, onde se reunia com os colegas para cheirar loló:
¿ Nós dizíamos para a diretora que íamos para casa, e consumíamos drogas. Eu comecei com 14 anos, passei um ano fumando maconha, mas o vício do crack foi rápido.
Ele não sabe o que vai fazer na vida. Sonha em fazer um curso de manutenção de computadores e, quem sabe, cursar ciências da computação, porque gosta de computador, internet, videogame e de baixar arquivos de música:
¿ Sempre gostei de matemática. Quando estudava, tirava nota 8 e 9. Só não gostava de português e geografia, tirava 4.
Pedro Paulo não se lembra dos livros que leu na época porque eram didáticos. Nunca foi ao cinema ou ao teatro. Tentou trabalhar por oito meses com o pai como pintor, mas desistiu. Ano passado, buscou emprego num supermercado de Teresina: apresentou seu currículo, mas não foi aproveitado para a função de manutenção das prateleiras. Tinha baixa escolaridade ¿ só até a 7ª série, quando queriam pelo menos ensino médio.
O rapaz se recorda da falta de empenho dos professores e diretores para manter os alunos frequentando as aulas:
¿ A diretora deixava o portão da escola aberta e dizia que ia assistir à aula quem quisesse e que o portão ficava aberto para quem não quisesse ficar. Eu ficava sentado no pátio. Os meninos maus saíam das aulas, e os bonzinhos na sala de aula. Os danados ficavam riscando as paredes, quebrando espelho, sujando os banheiros. Os professores não faziam nada, com medo.
Professora de História da Educação da Uerj e pesquisadora de políticas públicas para a área, a historiadora Alzira Batalha Alcântara diz que o avanço na educação foi ínfimo se forem considerados os recursos vindos a partir de 1996 com o Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental), hoje Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica).
¿ Não podemos só ver a média de evasão do país, porque, ao olharmos por região, gênero e grupo étnico, a disparidade fica cruel ¿ afirma Alzira, que já teve alunos em situação semelhante à de Pedro Pablo. ¿ Muitos abandonam a escola pelas drogas, não só por ser usuário, mas para trabalhar no tráfico. Quando eu dava aula na rede municipal, houve aluno que me falou: ¿Professora, fala sério. Num dia (no tráfico), eu tiro o que a senhora ganha no mês.¿
Destacando que ¿não adianta colocar computador na escola se o banheiro não tem água¿, Alzira diz que uma das ações que podem auxiliar no combate à evasão e também à repetência é, além da valorização salarial do professor, a cobrança, por parte da sociedade, do cumprimento da emenda constitucional 59/2009, que torna obrigatória a universalização, até 2016, dos ensinos fundamental e médio.
Para o jovem Pedro Pablo, não há mais desejo de voltar a estudar. Ele acha que não tem mais paciência para ficar sentado numa sala de aula:
¿ Meu sonho agora é me livrar do crack. Já fui ao fundo do poço. Vendi por R$10 a calça que tinha comprado por R$90. Já vendi até chinelo para comprar pedra de crack e passei a andar descalço. Tinha um futuro promissor, as pessoas dizem que sou inteligente. Mas vendi tudo que era meu por R$2.
COLABORARAM Alessandra Duarte e Paulo Marqueiro