Título: Juiz reagiu com submetralhadora
Autor: Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 20/08/2010, O País, p. 17
Alvo de atentado, presidente do TRE em Sergipe voltou ontem ao trabalho dizendo não ter medo de morrer
ARACAJU. Um dia depois de escapar de um atentado em que teve o carro alvejado por mais de 30 tiros, o presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de Sergipe, Luiz Antônio Araújo Mendonça, retornou ontem ao trabalho dizendo que não tem medo de morrer e continuará normalmente com suas atividades profissionais. Mendonça disse que não se intimidará com a ação de criminosos por causa de decisões que tenha tomado ao longo de sua carreira de promotor, desembargador, secretário de Segurança e, agora, chefe da Justiça Eleitoral.
O magistrado disse que só escapou da morte porque, durante o tiroteio, pegou uma submetralhadora ponto 40, guardada ao lado do motorista, e atirou. O tiro teria afugentado os criminosos, que, naquele momento, não esperavam mais qualquer reação das vítimas. O desembargador disse que soube se posicionar bem dentro do carro e teve frieza para atirar porque, no início da vida profissional, pertenceu aos quadros do Exército e treinou o uso de armas.
- Se ele não tivesse atirado de metralhadora, teria sido morto. Os criminosos se assustaram com a metralhadora. Ele deu um tiro. Mas poderia ter dado mais - disse o juiz Anselmo Oliveira, colega de Mendonça no TRE.
- Peço a Deus que nunca me acovarde diante de qualquer situação. Nunca senti nenhum temor, nem diante da morte, porque aprendi que a morte também leva a mudanças. A mudança, às vezes, é benéfica para quem tem fé - disse o desembargador, com um curativo na orelha, única marca visível do atentado.
Nenhuma pista concreta sobre os criminosos
O crime está sendo investigado em dois inquéritos, um na Polícia Civil e outro na Polícia Federal. Mas até o início da noite de ontem nenhuma das investigações apontava qualquer pista concreta dos criminosos. A polícia trabalha com a hipótese de que o crime tenha sido cometido a mando do agiota Floro Calheiros, um dos mais temidos criminosos da região. Calheiros já foi condenado por envolvimento no assassinato do ex-deputado Joaldo Barbosa, morto em 2003, e pelo furto de urnas eletrônicas no município de Canindé de São Francisco.
O nome de Calheiros foi citado em depoimento que Mendonça prestou à Polícia Federal ainda na quarta-feira, após deixar o hospital onde estava internado. A polícia também investiga o suposto envolvimento de Marcos Munganga, também condenado por participar do assassinato de Barbosa, no caso. O superintendente da Polícia Civil, João Batista Santos, reconheceu, no entanto, que a polícia enfrenta dificuldades para avançar nas investigações.
O desembargador foi atacado por quatro homens armados de escopetas e pistolas 380 na manhã de quarta-feira, quando se deslocava de casa para o trabalho. O motorista do carro, o cabo PM Jailton Batista, foi atingido por tiros no braço, mão e cabeça e está internado em estado grave.
Ontem, o tribunal aprovou a compra de um carro blindado para Luiz Mendonça por sugestão do juiz Anselmo Oliveira. Depois da sessão, os juízes começaram a discutir reservadamente a possibilidade de compra de carros blindados para todos os integrantes do tribunal. Por precaução, a Polícia Militar reforçou a segurança do desembargador e das dependências do TRE.
A presença de Mendonça na sessão, no dia seguinte ao violento atentado, emocionou os servidores do tribunal. Aproximadamente cem servidores interromperam os trabalhos para acompanhar a chegada de Mendonça ao plenário.
- Ele não quer deixar passar a imagem de que quem está à margem da lei pode intimidá-lo. Assim são os Mendonça - afirmou o juiz Álvaro Joaquim Fraga ao exaltar a coragem do colega.
Aparentemente tranquilo, Mendonça concedeu várias entrevistas ao longo do dia.
O desembargador foi atacado por volta das 9 horas de quarta-feira, num semáforo de uma das entradas da Avenida Beira Mar. Quatro homens encapuzados e armados de escopetas e pistolas 380 disparam mais de 30 tiros contra o carro em que estava Mendonça e o motorista. Os criminosos, que estavam num Honda City, atearam fogo no carro, logo depois do atentado, e fugiram em outro veículo.
Polícia e MP não acreditam em motivação política
O procurador regional eleitoral, Rui Nestor Bastos Mello, que requisitou abertura de inquérito pela Polícia Federal, acha que o crime pode estar ligado às atividades do desembargador no período em que ele esteve à frente da Secretaria de Segurança Pública. Polícia e Ministério Público não acreditam que o atentado tenha motivação política.
- A suspeita que todos falam é que seria vingança por ações que ele desenvolveu quando era secretário, e o Floro Calheiros é o nome que tem sido citado - disse o procurador.
Floro Calheiros já esteve preso e fugiu da cadeia por duas vezes. A última delas foi em 2008, quando fugiu de um hospital em que estava internado por supostos problemas de saúde. Um grupo de criminosos rendeu os policiais que faziam a escolta do preso e libertaram Floro. Desde então, o nome do empresário, acusado de matar desafetos e enfrentar a polícia, virou lenda na região. O cabo Batista, 41 anos, pai de 5 filhos, permanecia internado em estado grave até o início da noite.