Título: Governo não se herda, se conquista
Autor:
Fonte: O Globo, 20/08/2010, O País, p. 16

Geraldo Alckmin diz que PT só sabe "falar mal" e pregar em São Paulo o que não pratica quando está no poder

SÃO PAULO. Depois de cinco anos como governador de São Paulo (2001 a 2006), Geraldo Alckmin, de 57 anos, tenta voltar ao cargo e levar os tucanos ao quinto mandato consecutivo no maior colégio eleitoral do país. Em nome desta longevidade, defende que o estado avançou nos últimos 16 anos e acusa o principal adversário, o PT, de só saber "falar mal" e pregar em São Paulo o que não faz quando tem chance. Alckmin reclama, por exemplo, que o governo Lula não investiu "um centavo" no metrô paulista e critica a privatização das estradas federais.

Líder nas pesquisas de intenção de voto e com possibilidade de vencer no primeiro turno, o tucano, ontem, em sabatina realizada pelo GLOBO, citou o candidato a presidente José Serra (PSDB) diversas vezes, e fez coro com o colega de partido, ao acusar o governo federal de copiar programas paulistas. Mas silenciou quando perguntado se tinha planos de disputar novamente a Presidência. Alckmin foi derrotado por Lula em 2006, mas se orgulha de ter recebido mais votos do que o petista em São Paulo. Também diz que a participação de Lula na campanha do candidato do PT a governador, Aloizio Mercadante, não será decisiva.

Com papel e caneta à mão enquanto fala, um hábito antigo, Alckmin tem sempre um número na memória para fundamentar suas respostas. Leia os principais trechos da entrevista:

O GLOBO: O PSDB já está há 16 anos no governo de São Paulo. Por que precisa de mais quatro anos?

GERALDO ALCKMIN: Governo não se herda, se conquista. O PSDB ganhou a confiança da população com um trabalho que começou com Mario Covas, que pegou um estado que não tinha dinheiro nem para pagar salário, e, sem aumentar nenhum imposto, recuperou o estado. Há seis anos, São Paulo vem crescendo acima do PIB nacional. O Serra deu outro passo importantíssimo. O estado deve investir este ano R$20 bilhões.

O GLOBO: Se o senhor for eleito agora e reeleito daqui a quatro anos, terá mais tempo de governo do que o campeão de permanência, que é Ademar de Barros. Não é um pouco demais para uma pessoa só?

GERALDO ALCKMIN: No estado de São Paulo, o PSDB fez governo sempre avançando. A continuidade de princípios e valores é extremamente positiva. Todos com honestidade, sem aparelhamento da máquina pública, com transparência, avanços sociais e econômicos. Mas cada governo teve um programa diferente, porque teve momentos diferentes do estado.

O GLOBO: Quando o Serra assumiu o governo, ele modificou alguns dos seus programas. O Escola da Família, que era uma das bandeiras da sua gestão, por exemplo, foi reduzido drasticamente. O senhor vai mexer em programas implantados pelo Serra?

ALCKMIN: O Escola da Família foi premiado pelo Unicef. O programa abria as escolas no final de semana, trazendo os pais para dentro da escola. O ProUni (do governo federal) é meio cópia do Escola da Família. Dizíamos ao jovem: venha ser nosso monitor e você vai fazer faculdade de graça. Tinha bolsa integral. Chegou a ter 52 mil universitários, que retribuíam sendo monitores nos fins de semana.

O GLOBO: Mas e o fato de o Serra ter reduzido?

ALCKMIN: Reduziu em alguns casos que tinha três, quatro escolas próximas uma da outra.

O GLOBO: Além de reduzir, o Serra também fez criticas a alguns programas da sua gestão. O senhor não guarda nenhum ressentimento político?

ALCKMIN: Em primeiro lugar, sou amigo do Serra há 30 anos. Nós somos da mesma origem, o (ex-governador de São Paulo) Franco Montoro, que foi o grande professor de todos nós. Depois, fomos deputados federais juntos. Apoiei o Serra em todas as campanhas.

O GLOBO: Mas ele não apoiou o senhor para prefeito de São Paulo em 2008.

ALCKMIN: O Serra tinha uma circunstância difícil, mas me apoiou. Tenho enorme estima pessoal pelo Serra. E faço política com olhos para o futuro.

O GLOBO: E nesta eleição, como está a integração entre a sua campanha e a do Serra?

ALCKMIN: Todo o nosso trabalho em São Paulo é feito com o Serra. Quando ele faz agenda em São Paulo, estamos juntos. O Serra terá todo meu apoio. Aliás, ajudei até fora de São Paulo. Quem ajudou a trazer o PTB para a campanha do Serra fui eu.

O GLOBO: Se o senhor ganhar a eleição, será candidato a presidente em 2014?

ALCKMIN: O futuro a Deus pertence. Vou é trabalhar muito para ganhar essa eleição. Não tem eleição ganha.

O GLOBO: A presença do Lula na campanha do seu adversário Aloizio Mercadante pode atrapalhar a sua candidatura?

ALCKMIN: É inegável o prestígio do presidente Lula, e é óbvio que ele ajuda. Mas não acho que seja fator decisivo.

O GLOBO: Só no plano federal é que o Lula ajuda?

ALCKMIN: Acho que a ajuda que ele deu (a Dilma Rousseff) já se estabilizou. Mas esse não é uma fator decisivo. Eu ganhei do presidente Lula aqui em São Paulo nos dois turnos em 2006. E veja como a nossa legislação é injusta. Eu tive que renunciar ao governo de São Paulo para ser candidato nove meses antes, e o meu opositor ficou na cadeira, com a faixa presidencial, a caneta cheia de tinta. E ainda usou 2% do PIB em gastos correntes.

O GLOBO: Como se explica a sua campanha arrecadar mais (R$5 milhões) que a do Serra (R$3,6 milhões)?

ALCKMIN: É só o início. A campanha dele deve arrecadar mais que o dobro da minha.

O GLOBO: O senhor diz que o PT não tem propostas. Se o PT ganhar a eleição em São Paulo, será um retrocesso?

ALCKMIN: Respeito muito os adversários. Agora, é um tal de falar mal, falar mal, falar mal, falar mal. Acho que a população quer saber o que vai se fazer. Nós temos aqui alguns avanços que merecem destaque. Temos uma diferença importante com o PT: o PT acha que tudo tem que ser estatal. Nós achamos que tem que ser público. Dos 30 hospitais que fizemos, todos têm contrato de gestão com entidades do terceiro setor. Você ganha em eficiência. A primeira Parceria Público-Privada (PPP) do país eu fiz em 2004, que foi a linha 4 do metrô, que já tem duas estações funcionando.

O GLOBO: Mas o PT diz que o senhor só sabe privatizar e colocar pedágio nas estradas.

ALCKMIN: Concessão não é privatização. Privatização é quando se vende um ativo do estado. Na concessão, opera-se por 20 anos uma estrada e depois, volta tudo para o estado. O modelo de concessão nos permitiu ampliar a infraestrutura de São Paulo sem dinheiro do governo, porque o governo não tinha dinheiro. Das dez melhores autoestradas do Brasil, todas estão em São Paulo. O governo, com o dinheiro do ônus (da concessão), fez o trecho sul do Rodoanel. O que houve de privatização foi no primeiro período do Mario Covas. Foram vendidas empresas estatais para saldar dívidas do estado.

O GLOBO: A realidade do tráfego nas estradas hoje não é outra, com mais carros. Não seria o caso de se discutir os termos dos contratos dos pedágios das rodovias?

ALCKMIN: Primeiro, tem casos pontuais. Tem uma praça muito perto de uma comunidade, e como o pedágio não é por quilômetro, você transita em um trecho pequeno e paga tarifa cheia. Vejo candidato dizendo que vai fazer a cobrança do pedágio por quilômetro rodado. Mas, como as rodovias não são fechadas, ele teria de instalar 200 praças. É totalmente inviável. Sobre este aspecto, vou analisar caso a caso. Se tiver espaço, em vez de exigir mais obras, podemos baixar a tarifa, porque o estado agora tem capacidade de investimento. Mas veja o caso na área federal. Das três concessões feitas, na BR-153 foi colocado pedágio na estrada, que é pista única. A Rodovia Fernão Dias ficou caída (trecho interditado) quatro meses. E a Régis Bittencourt é a rodovia da morte. O contrato de concessão exigia duplicação do trecho de serra e três anos depois, a obra nem começou. Além disso, primeiro o governo duplicou, e depois fez a concessão sem cobrar nada.

O GLOBO: Quando diz que o governo federal não põe um real no Fundeb (Fundo da Educação Básica) nem no metrô, o senhor quer dizer que São Paulo é perseguido pela atual gestão?

ALCKMIN: O Fundeb é formado 94,2% com dinheiro dos estados e municípios. O governo criou o Fundeb, mas quase não põe dinheiro. Eles colocam 5,8%. São Paulo não recebe um centavo, assim como todos os estados maiores, porque o governo federal apenas complementa (o gasto) per capita por aluno (até atingir o piso). Como São Paulo está acima do piso, não recebe nada. Não vou fazer crítica porque isso é o que está estabelecido. No metrô, sim, eu faço a crítica. Não tem um lugar do mundo em que você não tenha participação do governo federal. Em São Paulo, foi zero. Eles contabilizam empréstimo como investimento. O governo federal põe dinheiro do orçamento no metrô de Salvador, Recife, Fortaleza, Brasília. Zero para São Paulo.

O GLOBO: Então, por que esse tratamento, na sua opinião?

ALCKMIN: Eu não vou dizer o porquê. Estou aqui constatando. É fácil criticar. O PT foi governo municipal e não pôs um centavo nem no Rodoanel, que estava assinado que tinha que pôr, nem no metrô. O estado está fazendo três linhas simultâneas de metrô. E os trens metropolitanos, hoje, não têm mais surfista. Os novos trens têm ar-condicionado. Transportávamos 800 mil pessoas, e hoje são 2,2 milhões por dia.

O GLOBO: O salário-base de um delegado em São Paulo é um dos piores do Brasil, perde até para Tocantins e Sergipe. Cerca de 30% das delegacias não têm delegado titular. As coisas não andaram lentas demais na segurança pública?

ALCKMIN: A gente tem que julgar com dados. No caso dos homicídios, São Paulo tinha 12.800, e reduzimos para 6.000 quando saí do governo. Éramos o quarto estado, em número de homicídios, e hoje somos 25º. Na maioria dos estados, inclusive os governados pelo PT, esse número disparou. Eu abri 44 mil vagas no sistema penitenciário. Saímos de 55 mil presos para 168 mil. A polícia trabalhou. Falam mal do sistema prisional, mas o Fernandinho Beira-Mar ficou aqui dois anos e só saiu porque a Justiça determinou. Fizemos as três penitenciárias de segurança máxima do Brasil. Pretendo fortalecer a investigação.

O GLOBO: Mas é possível fortalecer, tendo um dos piores salários do Brasil no setor?

ALCKMIN: Precisa melhorar o salário, e vamos melhorar. São Paulo deu um passo. É obvio que não é o ideal, mas avançamos. Se for eleito, no término do meu mandato, não terá um preso em cadeia em delegacia. O Serra está correto quando propõe o Ministério da Segurança, por dizer que a segurança também é um problema federal. Nós não estamos satisfeitos com 10,9 de homicídios por 100 mil habitantes. No Brasil é 25. Tem estado que é 40, 50 e 60.

O GLOBO: Tivemos rebelião neste mês numa das novas unidades que substituíram a Febem no seu governo. O motivo teria sido uma briga de facções criminosas. A infiltração do crime organizado entre os menores não é sinal de que algo deu errado?

ALCKMIN: É raro você ouvir falar em rebelião. Aconteceu na semana passada. Foi dito que nenhum menor é reincidente. Foi um problema entre eles. O fato é o seguinte: o que foi feito foi correto. Construímos 134 unidades. Essa questão da segurança você tem que vencer batalha todo dia.

O GLOBO: A oposição diz que vai acabar com a aprovação automática na educação.

ALCKMIN: Eles falam em aprovação automática, mas não existe. Existe progressão continuada. Foi criada pela oposição, quando o PT foi prefeito em São Paulo. Depois, eles voltaram à prefeitura e não mudaram. Aí fizeram uma pesquisa, viram que dá voto falar mal da progressão continuada, então, saem dizendo que vão acabar para ganhar uns votinhos. Eu vou fazer reforço escolar inclusive nas férias, três ciclos em vez de dois, avaliação mensal e boletim para o pai ou a mãe assinar.

O GLOBO: Se eleito, garante que São Paulo receberá o jogo de abertura da Copa de 2014?

ALCKMIN: Sempre me pareceu mais lógico o Estádio do Morumbi. Tem o metrô na porta e boas condições. O problema é que a reforma é muito cara. Cabe ao governo as coisas definitivas de infraestrutura, metrô, trem, segurança, acesso, mas não pôr dinheiro público para construir estádio. Para ajudar, podemos retirar os impostos em caso de nova construção. Isso já ajuda com 30% do custo.

O GLOBO: Concorda com a construção do trem-bala de São Paulo ao Rio?

ALCKMIN: Sou favorável, agora, deve ser feito com investimento privado. Se for colocar dinheiro público, aí é melhor colocar no metrô, que vai beneficiar mais pessoas.

Participaram da sabatina: Anderson Hartmann, Germano Oliveira, Gilberto Scofield Jr., Sérgio Roxo, Silvia Amorim e Ascânio Seleme