Título: Polícia para quem precisa
Autor:
Fonte: O Globo, 23/08/2010, Rio, p. 13
PM reforça patrulhamento em São Conrado, e imagens de prédios serão usadas na caça aos bandidos
Um dia após o confronto entre bandidos da Rocinha e policiais ter levado terror a São Conrado, a PM criou ontem um esquema especial para reforçar o patrulhamento no bairro. Além das patrulhas do 23º BPM (Leblon), policiais do Batalhão de Choque e do Grupo Especial Tático em Motopatrulhamento (Getem) fizeram ronda durante todo o dia. O reforço, que contou com PMs armados com fuzis nas garupas de motos, criou uma sensação de segurança para os moradores, ainda muito assustados com as cenas de violência do dia anterior, e garantiu a realização, pela manhã, da 14ª Meia Maratona do Rio, um percurso de 22 quilômetros entre São Conrado e o Aterro do Flamengo. Ainda assim, alguns inscritos desistiram de participar da prova.
Fiquei muito assustada. O que aconteceu no sábado só contribui para a imagem negativa do Rio, que fica marcado como uma cidade perigosa comentou a advogada Ana Carolina Hohmann, de 27 anos, que veio de Curitiba e não desistiu de participar da Meia Maratona do Rio.
Além do aumento do efetivo, que deverá ser mantido nos próximos dias, a PM fez rondas durante todo o dia de ontem em São Conrado. Na porta do Intercontinental, havia uma patrulha de prontidão.
PM vai apurar se ação foi autorizada
A movimentação de bondes do tráfico comboios de bandidos em carros e motos de um morro para o outro já é esperada pela polícia. O comandantegeral da PM, coronel Mário Sérgio Duarte, informou ontem que toda sexta-feira os batalhões recebem um relatório de inteligência (Relint) que informa sobre festas e eventos nas comunidades que podem ter a participação de bandidos.
O comandante-geral também disse que está investigando a informação, publicada ontem pelo GLOBO, de que 12 policiais do Grupo de Ações Táticas (GAT) do 23º BPM organizaram uma operação não autorizada pela Secretaria de Segurança, para tentar prender, na manhã de sábado, o traficante Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, chefe do tráfico nas favelas da Rocinha e do Vidigal.
A operação teria sido o estopim para o confronto, que deixou uma mulher morta e seis feridos, resultando ainda na invasão do Hotel Intercontinental, onde 35 pessoas foram feitas reféns por três horas.
Ontem, a PM negou que o presidente da Associação de Moradores do Bairro Barcelos, na Rocinha, Vanderlan Barros de Oliveira, o Feijão, tenha negociado com os bandidos a libertação dos reféns. O líder comunitário só teria ajudado a polícia passando algumas informações sobre o bando. Feijão já foi investigado, em 2009, por ligação com o tráfico da Rocinha.
A partir de hoje, policiais civis que investigam o caso vão começar a visitar condomínios do bairro, em especial nos arredores do Intercontinental, para obter imagens de circuitos de segurança e tentar identificar os traficantes que conseguiram fugir.
As imagens do interior do hotel também serão analisadas.
Enquanto a presença ostensiva de policiais levava tranquilidade ao bairro, no asfalto, a Rocinha viveu horas de tensão. A PM já sabe que Nem, que foi um dos que conseguiram escapar do cerco policial de anteontem, está escondido na comunidade.
Os acessos ao Morro do Vidigal e à Favela da Rocinha também tiveram reforço no patrulhamento.
O clima é de medo também no Vidigal.
Na sexta-feira, o presidente da associação de moradores do morro, José Valdir Cavalcante, o Zé do Rádio, foi expulso da comunidade por Nem. Segundo moradores, ele é suspeito de ter passado informações sobre o bando do traficante para a polícia. Candidato a deputado estadual, ele registrou queixa na delegacia.
Zé do Rádio contou que só procurou a polícia para denunciar a expulsão, mas que não delatou o traficante.
Ele afirmou ter sido expulso do Vidigal porque não aceitava que a associação servisse como instrumento do tráfico. Por isso, segundo ele, toda vez que o traficante o chamava para conversar, não atendia aos pedidos, pois sabia que era para lhe dar alguma ordem.
Ele queria que eu fosse o candidato dele para me manipular, como fez com o outro que morreu (o vereador Luiz Claudio de Oliveira, o Claudinho da Academia, morto em junho deste ano). Não aceitava isso. Falava duro com ele, então me botou para correr de lá disse Zé do Rádio.
No fim da manhã de ontem, nove dos dez bandidos presos após a invasão do Hotel Intercontinental deixaram a 15ª DP (Gávea), onde passaram a noite, e foram para o Instituto Médico-Legal (IML), na Leopoldina, fazer exames de corpo de delito. Em seguida, o bando foi transferido para o complexo penitenciário de Gericinó, na Zona Oeste. Entre eles, estava o braço direito de Nem, Ítalo Jesus, o Perninha, que usava um colete preto, com inscrição da Polícia do Exército, quando preso pelos policiais.
Um adolescente, que também fazia parte da quadrilha, foi levado para o Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), na Ilha do Governador.
Autoridades da cúpula da Secretaria de Segurança foram procuradas pelos repórteres do GLOBO durante todo o dia de ontem, mas ninguém confirmou se a polícia já tem ou está traçando uma estratégia para prender Nem.