Título: Uma reforma que precisa ser aprofundada
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Fonte: O Globo, 24/08/2010, Opinião, p. 6

A morte da jornalista Sandra Gomide completou dez anos sexta-feira passada.

O assassino, Antônio Marcos Pimenta Neves, à época diretor de redação do jornal O Estado de S. Paulo e namorado da vítima, confessou o crime quatro dias depois, chegou a ser preso por sete meses na fase de informação do processo, mas não ficou um único dia na prisão desde que foi condenado, em maio de 2006. Uma série de ações protelatórias mantém o processo no Supremo Tribunal Federal, à espera de uma decisão sobre um pedido de anulação do júri, que o condenou a 19 anos de reclusão.

Se não houver um pronunciamento do STF até 2012, o processo prescreverá, e Pimenta Neves terá se beneficiado de dois dos maiores males da Justiça brasileira: a lentidão dos ritos judiciais e a burocracia que emperram uma máquina cujas engrenagens, bem exploradas por bons advogados logo, acessíveis apenas a donos de gordas contas bancárias , costumam ser acionadas para garantir impunidades como a do jornalista. O caso de Pimenta Neves é paradigmático dessa perversa engenharia, que atinge em cascata as instâncias do Judiciário do país. Fora os males da protelação, o descaminho que o preserva de expiar sua culpa ganha conotações mais absurdas quando se verifica que, apesar de ele ser réu confesso, a Justiça lhe garante o benefício da presunção da inocência até que o caso transite em julgado.

A reforma do Judiciário, em 2003, acabou com gargalos e acelerou ritos, principalmente a partir da adoção das súmulas vinculantes e de procedimentos de cobrança de produtividade dos tribunais inferiores. Tais iniciativas no atacado tiveram o inegável mérito de desenrolar incontáveis processos dos meandros judiciais, não só nas Cortes mais altas como nas esferas de baixo. Mas é no varejo dos processos que tramitam na primeira e na segunda instâncias, fora do alcance das súmulas e jurisprudências, que a velocidade das ações judicantes ainda está muito abaixo da ideal.

A morosidade e a burocracia do Judiciário são daninhas não apenas para os cidadãos enredados em algum tipo de processo, ou convenientes para réus com cacife para protelar decisões. A combinação de ambas também depaupera o Tesouro. Convidado a participar de um congresso para discutir o patrimônio público, em São Paulo, o promotor americano Adam Kaufmann, chefe de investigação da promotoria distrital de Nova York, pôs o dedo na ferida: por conta da lentidão da Justiça brasileira, o país deixa de repatriar bilhões de dólares enviados ilegalmente para o exterior.

Ele citou o exemplo de um tribunal americano que decidiu liberar US$ 500 milhões do Opportunity, retidos nos EUA, porque a Justiça brasileira não emitiu decisão sequer de primeira instância sobre o processo. Para congelar dinheiro preso em outros países, fruto de ações do crime organizado, de corrupção ou de operações financeiras fraudulentas, o país precisa ter agilidade para emitir sentenças definitivas, e notoriamente não a tem.

Casos como o de Pimenta Neves e a tibieza judicial que priva o país de reaver o dinheiro sujo do crime são evidências de uma providência inadiável: a necessidade de aprofundar a reforma do Judiciário e tornar a Justiça mais ágil, mais perto dos interesses da sociedade.