Título: Denúncias que ficam pelo caminho
Autor: Weber, Demétrio; Marques, Sérgio
Fonte: O Globo, 24/08/2010, O País, p. 15

Disque 100 tem dificuldade de fazer com que casos de exploração sexual de menores sejam investigados

MENINA DE 12 anos mostra a cicatriz após briga com o padrasto: denúncias muitas vezes ficam impunes

RIO, FORTALEZA E MANAUS. Uma ligação anônima relata que adolescentes e crianças de 7 anos são prostituídos, sob o olhar atento de uma dupla de aliciadores, na Avenida Cesário de Melo, em Campo Grande, no Rio. O denunciante sugere o envolvimento de policiais: entre 2h e 3h da madrugada, viaturas levariam uma ou duas vítimas, retornando mais tarde para deixá-las. A denúncia foi feita em setembro passado e é uma das 29.756 recebidas pelo Disque 100, serviço da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, em todo o país, em 2009. Ninguém sabe o resultado de tantas acusações, mas uma coisa é certa: parte dos relatos não dá em nada ou é arquivada por incapacidade das polícias e do Ministério Público de investigar e processar tamanho volume de informações.

Programa tenta acompanhar desdobramento de denúncias

Levantamento inédito da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced) procurou descobrir o desfecho de 118 denúncias de exploração e abuso sexual recebidas pelo Disque 100 entre 2005 e 2009, em 15 estados. Desse universo, 33 (27%) não foram sequer localizadas. Dentre as 85 restantes, 53 (62%) estavam paradas ou arquivadas e 24 em investigação. Apenas oito viraram ações penais, sendo que só três já foram julgadas.

¿ É um número baixíssimo. Primeiro, todas as denúncias tinham que ter sido encontradas. Depois, não tem cabimento que denúncias só comecem a ser investigadas porque tem alguém perguntando por elas ¿ diz a coordenadora do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) Bento Rubião, no Rio, Clayse Moreira e Silva, responsável pela pesquisa.

O GLOBO acompanhou os desdobramentos de 17 denúncias de exploração sexual feitas ao Disque 100 no Rio e em Fortaleza, em 2009. Apenas duas resultaram na abertura de inquéritos policiais, ambos arquivados sem denúncia à Justiça, no Rio. Um terceiro inquérito deve ser instaurado este mês em Fortaleza, um ano e sete meses após o registro no Disque 100. Trata-se da acusação contra o porteiro de uma escola pública: em troca de presentes, ele manteria relações sexuais com uma aluna de 12 anos. Em Manaus, a Polícia Civil foi procurada no início do mês, mas não prestou informações até ontem.

O caso de prostituição denunciado em Campo Grande, no Rio, foi parar no 40º Batalhão de Polícia Militar. Segundo a PM, o patrulhamento da região resolveu o problema e não havia policiais envolvidos. Ninguém foi preso.

De dez casos monitorados em Fortaleza, dois não foram localizados pelo MP, Polícia Civil ou conselho tutelar. Um outro seria vingança de uma empregada doméstica contra o ex-patrão, segundo a Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente. Três denúncias estavam engavetadas em julho, quando a delegacia foi procurada pelo GLOBO:

¿ Tem muita denúncia vazia que não dá em nada, que não tem nome de ninguém ou que as vítimas negam ¿ diz a promotora de Justiça Edna da Matta, de Fortaleza.

Decidido a saber o resultado das denúncias, o Disque 100 passou a monitorá-las em 2008. No ano passado, porém, só recebeu retorno referente a 10.182 casos (34%). Ainda assim, sem detalhes sobre a fase da investigação. Do total, 2.646 não foram confirmadas, o que corresponde a 25% do universo informado.

Para Clayse, a não-constatação de denúncias não significa que elas sejam falsas:

¿ Às vezes, a demora é tanta que não se chega a tempo. Ou o contato é feito diretamente com o agressor, que, é claro, nega.