Título: Sangue frio sob calor de 35 C e umidade a 98%
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Fonte: O Globo, 24/08/2010, O Mundo, p. 28

SANTIAGO. Mais do que um pouco de sorte e um grande instinto de sobrevivência, foram a astúcia e o sangue frio do grupo de mineiros que lhes garantiram a vida após 18 dias enclausurados a 700 metros da superfície da Terra. Os 33 homens estão presos num abrigo de 52 metros quadrados por 2,5 metros de altura. A temperatura fica em torno de 35 graus Celsius e a umidade relativa do ar chega a 98%. Apesar das circunstâncias quase inimagináveis, os homens conseguiram manter a calma e tirar proveito das máquinas que davam apoio ao grupo, do lado de fora, para assegurar água e eletricidade durante todo o tempo.

A pouca comida dos primeiros dias do cativeiro forçado foi fracionada até o fim e, segundo estimativas de oficiais de saúde, os homens já perderam entre oito e nove quilos. O pequeno refúgio é como uma caverna, com dois bancos, uma caixa de madeira com algumas latas de peixe em conserva, dois cobertores e um tubo de oxigênio.

Segundo o diretor do Departamento de Emergência do Atacama, Carlos García, os mineiros aproveitaram a refrigeração do maquinário existente na mina ¿ onde se acumulam 14 mil litros de água ¿ para captar o líquido, que apesar de conter mais sais do que o normal, não causa danos à saúde se ingerido. A energia foi aproveitada das baterias de dois carros estacionados do lado de fora para que houvesse luz na mina e nos capacetes.

Além dos esforços para manter o otimismo dos colegas, a calma para fazer funcionar a gambiarra que assegurou água e luz é atribuída à experiência do chileno Mario Gómez Heredia, de 63 anos. Mineiro desde os 12 anos de idade, quando jovem, viajou pelo Brasil clandestinamente num navio, passando 11 dias sem comida.

¿ Meu marido trabalhou em lixões, em desmontes, dormiu ao relento, coberto com papelões. Sabia que não ia deixar a derrota se abalar sobre os companheiros ¿ contou a esposa, Lilian Ramírez, sem esconder um misto de orgulho e aflição.