Título: Esperança no centro da Terra
Autor:
Fonte: O Globo, 24/08/2010, O Mundo, p. 28

Após achar com vida 33 homens presos em mina há 17 dias, Chile prepara resgate de 4 meses

FAMILIARES DOS mineiros comemoram a chegada da sonda no compartimento onde estavam os mineiros e a notícia de que barulhos tinham sido ouvidos: espera angustiante

O PRIMEIRO contato com o exterior: Florencio Silva aparece pela microcâmera

COPIAPÓ, Chile

Depois de 17 dias com a respiração suspensa pelo destino de 33 mineiros presos a mais de 700 metros de profundidade ¿ já dados praticamente como mortos pelas autoridades ¿ o Chile inteiro explodiu de alegria no domingo com a descoberta de que todos estavam vivos, e ontem pôs em andamento uma longa operação de resgate, que pode durar 120 dias. Preso nas profundezas da Terra desde o último dia 5, o grupo recebeu as primeiras doses de glicose e sais de hidratação. Através de um interfone instalado, todos os homens enviaram aos familiares mensagens de que estão bem, apesar das circunstâncias, e fizeram um pedido singelo: que lhes enviassem escovas de dentes.

¿ Estamos todos sãos e com fome! ¿ disse uma das vítimas na primeira conversa com o ministro das Minas, Laurence Golborne, que se disse surpreso com o ânimo demonstrado pelos mineiros.

Os homens ficaram presos quando uma parte da mina desabou, isolando-os, e foram finalmente localizados no domingo, através de uma sonda. A notícia comoveu o Chile ¿ depois que até mesmo o presidente Sebastián Piñera dissera haver chances remotas de encontrá-los com vida. Eles conseguiram sobreviver buscando abrigo num pequeno refúgio de emergência e beberam a água usada no resfriamento das máquinas de perfuração.

¿ Chorei de felicidade com a notícia! Pensei que estavam todos mortos ¿ emocionou-se Jéssica Marambio, uma vendedora de balas em Santiago, demonstrando a comoção compartilhada por milhões de chilenos.

Equipes médicas prepararam uma dieta especial de cinco fases aos presos, que vêm bebendo água de má qualidade e respirando ar impuro. Ontem, eles começaram a receber água potável, soluções hidratantes e complementos nutricionais líquidos, além de soro glicosado e paracetamol. O material desce em tubos de 1,6 metro de comprimento e leva até uma hora para chegar ao grupo. Alimentos consistentes serão enviados após a instalação de mais dutos para a comunicação.

Condições como as de astronautas

Num comunicado, o Ministério da Saúde anunciou que pedirá ajuda à Nasa (a agência espacial dos EUA) para incorporar técnicas que permitam a sobrevivência dos 33 homens nos próximos meses ¿ já que suas condições seriam semelhantes às de marinheiros que passam muitos meses em submarinos e astronautas em estações espaciais, que precisam ingerir por longos períodos de tempo alimentos especiais.

Outra preocupação é com o estado psicológico dos mineiros ¿ que, além dos desafios físicos impostos pela pouca mobilidade e pela escassez de luz e ar puro, terão ainda que lutar contra ataques de depressão e desespero. Muitos dos homens presos na jazida são mineiros experientes e tentaram se mostrar fortes. Num bilhete enviado à superfície, um deles dizia ter certeza de que ¿mesmo que leve meses, o grupo vai conseguir sair¿.

Microfones foram instalados para facilitar a comunicação e uma pequena câmera mostrou, a parentes emocionados na superfície, as primeiras imagens dos sobreviventes. Os familiares dos 32 chilenos e de um boliviano improvisaram um acampamento para monitorar o trabalho, e após o anúncio fizeram um churrasco para comemorar a descoberta dos trabalhadores com vida.

Ontem à tarde, o chefe da equipe de resgate, André Sougarret, coordenava a instalação da primeira broca utilizada para perfurar novos túneis para a retirada dos presos. Somente para montar o equipamento, de 33 toneladas, serão necessários três ou quatro dias e, com ele, será possível avançar 20 metros de profundidade por dia. O plano é perfurar um novo duto de 66 centímetros de diâmetro, para retirar os mineiros um a um.

oglobo.com.br/mundo