Título: O governo nos culpa por suas derrotas
Autor: Yanakiew, Monica
Fonte: O Globo, 25/08/2010, O Mundo, p. 31

Diretor do "La Nación" diz que os Kirchner destruíram ideia de uma imprensa independente

BUENOS AIRES. O diretor de negócios do "La Nación", Eduardo Lomanto, afirma que o governo argentino está realizando uma ofensiva para apropriar-se da empresa Papel Prensa - que fornece papel a 170 jornais argentinos - e assim controlar a imprensa independente. Em entrevista ao GLOBO, ele conta sua versão dos fatos, dá informações de bastidores, além de citar o que considera manipulações do governo argentino contra a mídia local e em outras áreas, como a economia e a questão dos desaparecidos políticos.

O que motiva este novo confronto entre o governo e os jornais?

EDUARDO LOMANTO: O confronto começou em 2008, quando o governo quis aumentar o imposto de 35% cobrado às exportações de cereais. Como os meios de comunicação apoiaram o setor rural, o governo achou que houve um complô para impedí-lo de avançar com seu projeto. Em 2009, o governo perdeu as eleições legislativas e fez o mesmo diagnóstico: em vez de atribuir a derrota à gestão, culpou a imprensa.

Num editorial publicado hoje (ontem) em suas primeiras páginas, os jornais "Clarín" e "La Nación" afirmaram que a investigação sobre a aquisição da Papel Prensa, durante a ditadura, nada mais é que um plano para expropriar a empresa e controlar os meios de comunicação. Existem provas disso?

LOMANTO: As intenções do governo foram anunciadas pelo secretário do Comércio Interior, Guillermo Moreno. Há um ano, ele reuniu os diretores da empresa e disse que tinha um plano para tomar a companhia. Pediu confidencialidade, ameaçando quem abrisse a boca. Disse: "Aqui fora da porta tenho uns muchachos especialistas em partir a coluna e fazer saltar os olhos daquele que fale". O plano, segundo ele, era tomar a empresa dos jornais, baixar seu valor, fazer uma intervenção ou estatizá-la. Ficamos sabendo por que um dos participantes contou o que aconteceu. Fizemos uma denúncia penal na Justiça e, a partir daí, começou a escalada para apropriar-se da Papel Prensa.

O governo afirma ter provas de que a família Graiver (dona da empresa) foi coagida pelos militares para vender a empresa em 1976, e que os jornais tinham conhecimento dessas pressões, mas preferiram ignorá-las e fechar um bom negócio. Que provas são essas?

LOMANTO: Não sei por que o governo tem feito tantas denúncias sem fundamento e tem mudado sua versão dos acontecimentos tantas vezes. Nas suas primeiras declarações, Lídia Papaleo (viúva de David Graiver, dono da Papel Prensa), disse que transferiu as ações aos jornais quando estava presa: os militares a tiraram da cadeia para que pudesse assinar os documentos de venda, e voltaram a prendê-la. Também disseram que os contratos não eram contratos - eram compromissos de venda. Exibimos os contratos, provando que eram válidos e que tinham sido assinados antes da prisão dela. Depois, mudaram a versão. Disseram que tínhamos adulterado as datas. Mostramos que os contratos tinham sido publicados na imprensa na época. Agora admitem que assinamos os contratos cinco meses antes da prisão dos parentes de Graiver. Mas dizem que foi um esquema armado com os militares, para desvincular qualquer participação dos jornais na prisão e tortura da família Graiver. O estranho é que houve outras investigações, antes desta, e em nenhuma delas a prisão e tortura dos Graiver foi associada à compra da Papel Prensa.

Por que os militares não ficaram com a empresa de papel?

LOMANTO: Tentaram ficar, dizendo que Graiver não tinha morrido, porque jamais encontraram o corpo, e que os jornais, ao comprarem a empresa, estariam financiando os Montoneros, já que Graiver supostamente era banqueiro do grupo guerrilheiro. Naquele momento, como agora, fizemos uma campanha de comunicação muito forte, contra acusações que eram falsas. Recorremos a organismos internacionais. Naquela época, o governo recuou.

Por que o governo fez essa denúncia num ato público em vez de apresentar o resultado de sua investigação à Justiça?

LOMANTO: Querem dar o mesmo tratamento a este relatório que deram ao informe da Conadep (Comissão Nacional dos Desaparecidos), que investigou os desaparecimentos na ditadura argentina e possibilitou o julgamento das juntas militares. A investigação da Conadep foi dirigida por Ernesto Sabato, Prêmio Nobel da Paz. A investigação contra foi dirigida por Moreno e Beatriz Paglieri, a mesma pessoa que fez a intervenção no Indec (Instituto Nacional de Estatísticas e Censos) para manipular os dados da inflação. A intenção do governo é levar presos Hector Magnetto e Bartolomé Mitre (os presidentes do "Clarín" e do "La Nación", respectivamente).

O que farão os jornais?

LOMANTO: Vamos esperar o ataque, ver de que somos acusados e recorrer à Justiça.

Essa foi a única ofensiva à imprensa?

LOMANTO: Não. A primeira foi a Lei de Meios, que supostamente democratiza a comunicação porque limita os monopólios. Na verdade, impede que haja uma rede nacional de televisão. Ou seja, na Argentina poderemos assistir à CNN e à Rede Globo, mas não poderemos assistir ao Todo Noticias (canal de notícias a cabo do Grupo Clarín). O que teremos será um mercado fragmentado, cheio de pequenas emissoras de rádio e televisão, que só sobreviverão com publicidade estatal. Ou seja, o Estado poderá facilmente controlar a informação. O último ataque, antes deste, foi quando cancelaram, na semana passada, a licença da Fibertel (uma das empresas do Grupo Clarín) para prover serviços de internet.

E a pressão internacional, vinda de organismos como a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP)?

LOMANTO: O governo está pouco se importando com o que diz a SIP. Instalou no país a ideia de que os jornalistas são todos mercenários a serviço de algum grande grupo de interesse. Ou seja, todos fazemos propaganda - alguns a favor do governo e outros contra. Destruiu a ideia de que existe imprensa independente e liberdade de expressão. (M.Y.)