Título: Brasileiros mortos em chacina
Autor: Malkes, Renata; Alencastro, Catarina
Fonte: O Globo, 26/08/2010, O Mundo, p. 35

Cartel de drogas mexicano é acusado de massacrar 72 pessoas que tentavam chegar aos EUA

RIO, BRASÍLIA e CIDADE DO MÉXICO

No maior massacre ligado às ações do narcotráfico desde 2006, quando o presidente mexicano Felipe Calderón chegou ao poder, 72 pessoas foram encontradas mortas ontem próximo a um rancho nos arredores de San Fernando, no estado de Tamaulipas, no norte do país. Entre equatorianos, salvadorenhos e hondurenhos, o vicecônsul brasileiro no México, João Batista Zaidan, confirmou que há pelo menos quatro cidadãos brasileiros entre as vítimas da matança atribuída, segundo as primeiras investigações, a traficantes do cartel Los Zetas.

Os corpos não estavam enterrados, mas sobrepostos no rancho. Somente uma perícia detalhada poderá estabelecer exatamente quando a chacina foi cometida. Segundo o diplomata brasileiro, foram encontrados entre as vítimas documentos indicando a presença de cidadãos brasileiros entre os mortos. Hoje de manhã, o vice-cônsul brasileiro segue para acompanhar de perto o trabalho de identificação das vítimas em Tamaulipas.

As primeiras informações são de quatro brasileiros, mas podem ser ainda mais. Se forem mesmo imigrantes ilegais, temos um problema. A região é muito perigosa. Este ano, já deportamos mais de 200 brasileiros tentando entrar ilegalmente nos EUA, principalmente de Minas Gerais contou, por telefone, João Batista Zaidan.

O massacre de 58 homens e 14 mulheres foi descoberto por fuzileiros da Marinha mexicana a cerca de 150 quilômetros da fronteira com o estado americano do Texas. Os oficiais foram ao local após a denúncia de Luis Fredy Lala Pomavilla, trabalhador ilegal equatoriano, que tentava cruzar a fronteira rumo aos Estados Unidos.

Dizendo-se sobrevivente do massacre e bastante ferido, Pomavilla contou que o grupo de imigrantes ilegais tentava alcançar o Texas quando foi interceptado e retido por homens armados que se diziam integrantes do Los Zetas.

Os bandidos lhes teriam oferecido trabalho como capangas. Diante da recusa coletiva ao convite, um deles teria dado ordens para matar a todos.

México fará traslado de corpos ao Brasil

Fingindo-se de morto, o equatoriano, baleado na garganta, conseguiu se arrastar até um posto de controle da Marinha para pedir socorro. Fuzileiros foram deslocados ao rancho e chegaram a trocar tiros com os traficantes. Três bandidos e um oficial morreram, segundo comunicado da Marinha. Um menor de idade, suspeito de fazer parte do tráfico, foi detido e, no rancho, foram ainda apreendidas 21 armas de grosso calibre, fuzis, escopetas, rifles e carregadores.

A Procuradoria-Geral da Justiça do México já iniciou as investigações sobre o crime.

Alejandro Poiré, do Conselho de Segurança Nacional, advertiu que, caso se confirme a versão do sobrevivente, o caso será mais um sinal de alerta ao presidente Felipe Calderón: acuado pela política militar antidrogas do governo, o narcotráfico estaria recorrendo a sequestros e à extorsão de imigrantes na fronteira em busca de dinheiro.

Calderón, que estava numa conferência sobre segurança, condenou a brutalidade dos cartéis, mas advertiu que mais violência está por vir.

O crime mostra a bestialidade, a brutalidade e a total falta de escrúpulos humanos dos cartéis afirmou. Tenho certeza que ainda vamos ver uma intensa fase de violência ponderou o presidente, que apesar de ter mobilizado as Forças Armadas para o combate ao narcotráfico, registra 28 mil mortos em ações dos traficantes desde que assumiu o poder, em 2006.

Em Brasília, o embaixador mexicano, Alejandro de La Peña, afirmou que as investigações sobre o crime já começaram e que até a noite de ontem, a embaixada não havia recebido qualquer ligação de familiares em busca de notícias das vítimas. Segundo o diplomata, o governo do México enviará peritos para acelerar o processo de identificação e também oferecerá traslados dos corpos para seus países de origem o mais rápido possível.

Tudo está sendo feito de forma coordenada com as embaixadas. O governo vai disponibilizar transporte aéreo para os profissionais que farão a identificação dos corpos e também para a repatriação das vítimas. Isso deverá acontecer nos próximos dias assegurou La Peña.

Em Washington, o porta-voz do Departamento de Estado americano, Mark Toner, lamentou o crime, mas esquivou-se de uma reação oficial do governo Barack Obama, alegando desconhecer detalhes da chacina.